O Brasil é dos caciques partidários

O resultado das urnas neste segundo turno parece reforçar a impressão de que o eleitor brasileiro é de centro, com PSD e MDB se consolidando como principais forças nos municípios, com a eleição de 856 e 745 prefeitos, respectivamente. Na verdade, com raríssimas exceções marcadas por contextos específicos, o que se vê é um sistema eleitoral forjado por caciques partidários, um clube vip no qual o eleitor não entra. Eles decidem quem serão os candidatos disponíveis na urna, em articulações distantes dos olhos do público.

Pegue o exemplo de São Paulo. Valdemar Costa Neto (PL) negociou com Gilberto Kassab (PSD), Baleia Rossi e Michel Temer (MDB), Marcos Pereira (Republicanos) e Antonio Rueda (União Brasil) a reeleição de Ricardo Nunes, abrindo mão de ter seu próprio candidato de direita. A vice foi entregue ao coronel Mello Araújo, apenas para garantir o apoio, ainda que tímido, de Jair Bolsonaro. Sabia-se que Nunes acabaria polarizando com Guilherme Boulos e que o eleitor paulistano rejeitaria o psolista.

Esse cenário só esteve em risco no primeiro turno por causa de Pablo Marçal, que acabou explorando a insatisfação da direita com Nunes e  depois decepcionou esse mesmo público ao protagonizar uma ‘sabatina’ com Boulos. Vale lembrar que o peso de Tarcísio de Freitas acabou sendo fundamental para a vitória de Nunes, diante de um Bolsonaro constrangido em apoiar uma chapa formada por aliados de Alexandre de Mores, seu algoz.

A insatisfação do eleitor paulistano “com o cardápio oferecido pelos partidos”, porém, está estampada no maior número de votos nulos, brancos e abstenções da história da cidade: 42% ou 3,6 milhões de eleitores, mais do que a soma dos que apoiaram a reeleição do prefeito.

Em Belo Horizonte, o sistema partidário também ofereceu Fuad Noman (PSD) contra Bruno Engler (PL), apostando em que o perfil moderado do prefeito atrairia os eleitores de centro e da esquerda. Ainda na formação da coligação, Kassab isolou o PT, atraindo PDT, Rede e PV para uma aliança com MDB e PP. A abstenção, somada aos nulos e brancos, bateu quase 32%. Em Porto Alegre, assim como em São Paulo, a estratégia em torno da reeleição do emedebista Sebastião Melo passou por garantir o apoio do centro e da direita (PP, Republicanos, PL e PSD), isolando a esquerda de Maria do Rosário.

Mesmo trazendo em seu currículo a tragédia das enchentes, Melo ganhou mais um mandato. Mas o eleitor portoalegrense não pareceu satisfeito, considerando que os votos nulos, brancos e as abstenções ultrapassaram também o total de votos obtido pelo prefeito.

Em Curitiba, Valdemar repetiu SP e abriu mão de ter candidato próprio, fornecendo o vice (Paulo Martins) para a chapa de Eduardo Pimentel (PSD), que contou com o apoio de Ratinho Júnior e de praticamente todo o espectro partidário, da direita à esquerda, tudo para evitar a vitória de Cristina Graeml, que encarnou o bolsonarismo raiz.

A popularidade de Ronaldo Caiado também foi importante na vitória de Sandro Mabel (União) sobre o bolsonarista Fred Rodrigues (PL), que acabou isolado. Além de já contar na coligação com MDB, Podemos e Republicanos, Mabel conseguiu atrair o voto do PT contra Rodrigues, que perdeu apoio na reta final ao se descobrir ter apresentado um diploma falso de advogado.

Por fim, na disputa mais acirrada deste segundo turno e claramente uma exceção, o novo petista Evandro Leitão só venceu o bolsonarista André Fernandes com o apoio da máquina de Eumano de Freitas, Camilo Santana e Lula — e por pouco menos de 11 mil votos. Ficou também a impressão de que Capitão Wagner (União) não fez muito esforço pelo candidato do PL.

Em suma, o resultado das urnas de 2024 indica que a política profissional e silenciosa falou mais alto que o voto de opinião ou mesmo o de protesto, diante de cenários eleitorais forjados para fortalecer o domínio daqueles que controlam o sistema. Esse é o mesmo tom observado na campanha para o comando do Congresso e, certamente, nos conduzirá a 2026. Jair Bolsonaro, elegível ou não, parece hoje apenas um ativo eleitoral para Valdemar e demais caciques do centro, já que não conseguiu criar um partido e nem pretende mais fazê-lo. A única notícia boa é que a esquerda carece de caciques partidários, Gleisi Hoffmann não conseguiu reerguer o PT e o capital político de Lula se esgota a cada dia.

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Claudio Dantas

Claudio Dantas

Respostas de 3

  1. Análise perfeita de um cenário político constrangedor e estruturado para manter o povo brasileiro refém de seus caprichos e arbitrios.
    Até quando, Senhor??!!

  2. Bolsonaro está tentando sobreviver! Inelegível no momento fez acordos com Valdemar e Davi Alcolumbre que trairão Bolsonaro…
    O rural mandando a raposa tomar conta do galinheiro

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