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Jornalismo, Autocrítica e Credibilidade

Por Leonardo Corrêa*

O editorial do Estadão sobre Donald Trump e a liberdade de imprensa acerta ao apontar os riscos de governantes que tentam deslegitimar a mídia. Mas falha ao ignorar uma questão crucial: a crise de credibilidade do próprio jornalismo. É legítimo criticar Trump quando ele adota uma postura beligerante contra a imprensa, mas é preciso reconhecer que essa relação é marcada por um quid pro quo: muitas vezes, Trump reagiu com hostilidade porque foi alvo de distorções, interpretações maliciosas e coberturas enviesadas. O embate entre ele e a mídia não ocorre no vácuo – é resultado de uma imprensa que, ao longo dos anos, demonstrou estar menos interessada em relatar fatos e mais empenhada em construir uma narrativa política específica.

A nobre missão do jornalismo sempre foi trazer fatos, dar voz a diferentes perspectivas e permitir que o público forme sua própria opinião. No entanto, nos últimos anos, uma agenda ideológica tem sido imposta à sociedade sem qualquer pudor. As redações passaram a operar como centros de ativismo, priorizando determinadas pautas – como identidade de gênero, ambientalismo radical e teorias econômicas progressistas – enquanto silenciam ou desqualificam visões divergentes. A consequência é previsível: uma parte significativa da população se sente traída e simplesmente desliga a televisão, cancela assinaturas e busca outras fontes de informação.

A confusão entre jornalismo independente e grande mídia também é um equívoco do editorial. Nunca houve tanto jornalismo independente como hoje. Com a revolução digital, jornalistas que antes estavam presos a grandes redações agora têm a liberdade de produzir conteúdo sem interferências editoriais pautadas por patrulhamento ideológico. Muitos, inclusive, saíram das grandes redes justamente para exercer sua profissão com mais autonomia. A independência real está naqueles que não precisam seguir a linha imposta por conglomerados midiáticos, e não na mídia mainstream, onde jornalistas frequentemente se submetem a diretrizes empresariais e a uma cultura de conformismo ideológico. A internet permitiu que vozes plurais emergissem, desafiando o monopólio da informação e oferecendo ao público a possibilidade de escolher suas fontes.

Ao escrever um editorial contra Trump, o Estadão poderia ter aproveitado a oportunidade para se diferenciar dos demais e fazer uma autocrítica necessária. Criticar o presidente pode ser legítimo — e faz parte da atividade jornalística tratar de qualquer um, independentemente de cargo político —, mas ignorar o papel que a própria imprensa desempenhou na erosão de sua credibilidade é um erro. O jornal poderia, e deveria, apontar o dedo para aqueles que transformaram uma profissão essencial em um veículo de imposição ideológica. Ao invés disso, parece querer defender a imprensa como um bloco monolítico, sem reconhecer que há um problema real de viés e militância disfarçada de jornalismo.

Se o objetivo é preservar a liberdade de imprensa e garantir seu papel essencial na democracia, o caminho não pode ser negar a crise de confiança que se instalou. A resposta está no resgate da isenção, do pluralismo e da honestidade intelectual. O público não quer um jornalismo que se diz independente, mas age como correia de transmissão de uma visão de mundo específica. Quer uma imprensa que realmente informe, que permita o contraditório e que tenha a humildade de reconhecer quando erra. Só assim a mídia poderá recuperar seu papel de “Quarto Poder” – não como um partido disfarçado, mas como uma instituição que merece respeito.

O cenário atual se torna ainda mais preocupante quando governos estrangeiros passam a financiar diretamente veículos de imprensa, levantando questionamentos sobre a real independência dessas publicações. A USAID, por exemplo, planejava investir mais de US$ 268 milhões em jornalismo em 2025, supostamente para fortalecer a liberdade de imprensa. Mas liberdade financiada por governos pode rapidamente se tornar um eufemismo para alinhamento ideológico. Ao invés de garantir um jornalismo isento e crítico, essas iniciativas frequentemente promovem uma narrativa conveniente aos interesses dos financiadores.

Esse tipo de arranjo revela um problema mais profundo: a crescente interferência do Estado em esferas onde ele não tem legitimidade para atuar. O Estado, como bem descreveu Mancur Olson, é um bandido estacionário: ele monopoliza a coerção e, em troca de estabilidade, exige tributos e impõe regras que limitam nossa liberdade. Mas essa estabilidade só é justificável quando respeita os direitos naturais à vida, à liberdade e à propriedade. A Constituição, longe de ser um contrato social voluntário, é a lei que governa aqueles que nos governam – um freio ao poder do Estado, e não um cheque em branco para que ele molde a sociedade conforme sua vontade.

Financiar jornalismo não tem absolutamente nada a ver com essa função legítima. Pelo contrário, quando governos decidem quais veículos devem prosperar e quais devem definhar, eles deixam de ser árbitros da ordem e se tornam agentes ativos na manipulação da opinião pública. O jornalismo, para cumprir seu papel essencial, deve ser sustentado por sua credibilidade junto ao público – e não por aportes estatais que, cedo ou tarde, cobram seu preço. Qualquer tentativa do Estado de “fortalecer” a imprensa é, na prática, uma tentativa de direcioná-la.

Essa instrumentalização da imprensa por interesses externos e a crescente militância dentro das redações explicam, em grande parte, a crise de credibilidade que atinge a mídia tradicional. No entanto, nem tudo está perdido. Ainda existem jornalistas que resistem a essa tendência e mantêm viva a essência da profissão. Foi justamente essa resistência que encontrei, para minha surpresa, ao virar a página do Estadão. O artigo de Carlos Alberto Di Franco sobre Gay Talese resgatou um pouco daquilo que sempre fez do jornalismo uma atividade nobre: a busca obstinada pela verdade, a profundidade na apuração, o compromisso com os fatos e a coragem de confrontar narrativas prontas.

Talese, com sua visão lúcida, lembra que o jornalismo precisa ser substantivo, investigativo e comprometido com a verdade – não apenas um reflexo das tendências ideológicas do momento. Sua abordagem contrasta fortemente com o que temos visto em muitos veículos, que abandonaram o rigor factual para se tornarem meros reprodutores de agendas políticas. O texto de Di Franco não apenas relembra a importância desse tipo de jornalismo, mas também serve como um lembrete de que a profissão ainda pode ser resgatada, desde que haja jornalistas dispostos a romper com a militância e recuperar a credibilidade perdida.

Não sou jornalista, sou advogado. Mas aprendi a escrever também lendo textos dos grandes jornalistas do passado, como H. L. Mencken, Nelson Rodrigues e, ainda atual, Gay Talese, o pai do New Journalism. Voltar às raízes é sempre um caminho importante para corrigir os rumos. A grandeza do jornalismo sempre esteve na sua capacidade de desvendar, confrontar e provocar reflexões profundas. Resgatar essa tradição não é apenas uma necessidade profissional, mas um imperativo para preservar o próprio espírito democrático.

Escrevo este artigo na página de um jornalista independente, Claudio Dantas, que nos dá esperança para que a profissão retome o seu eixo. Como ele costuma dizer, “não se deve confundir imparcialidade com independência”. De fato, o jornalismo independente não precisa fingir uma neutralidade artificial – ele precisa ser livre para buscar a verdade, sem amarras políticas ou ideológicas. Em tempos de tantas narrativas e distorções, é nesse jornalismo que ainda encontramos espaço para a honestidade intelectual e o compromisso genuíno com os fatos.

* Leonardo Corrêa – Advogado, LL.M pela University of Pennsylvania, sócio de 3C LAW | Corrêa & Conforti Advogados e um dos Fundadores e Presidente da Lexum

 

 

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Leonardo Correa

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