Na manhã de ontem, li sobre o congelamento bilionário das verbas federais destinadas a Harvard, seguido pela ameaça do ex-presidente Donald Trump de retirar da universidade sua isenção fiscal. O argumento, já conhecido: Harvard, ao insistir em determinadas políticas institucionais — notadamente as de Diversidade, Equidade e Inclusão (DEI) — estaria abandonando seu compromisso com o interesse público. Mas o que transformou uma notícia política em questão jurídica relevante foi uma postagem de Randy Barnett, que li pouco depois.
Barnett, jurista originalista dos mais respeitados dos Estados Unidos, sugeriu que todos se familiarizassem com Bob Jones University v. United States (1983). Fui imediatamente ler a decisão. O caso envolvia uma universidade cristã que adotava uma política de proibição de relacionamentos inter-raciais entre alunos. A Suprema Corte, por 7 votos a 2, decidiu que tal conduta violava uma política pública fundamental — o combate à discriminação racial — e, por isso, a instituição não poderia continuar beneficiada pela isenção fiscal do § 501(c)(3) do Internal Revenue Code.
Mas Barnett não se limitou a lembrar o precedente. Em nova postagem, no final do dia de ontem, foi direto ao ponto: “Unlike Bob Jones, Harvard doesn’t have a free exercise of religion claim to be overcome.” A implicação é clara: o precedente de Bob Jones, que já autorizou a retirada da isenção mesmo diante de uma defesa constitucional baseada na liberdade religiosa, aplica-se com ainda mais força a Harvard, onde tal defesa não existe.
Em suma: Harvard não apenas promove políticas que, sob determinados critérios, podem ser consideradas excludentes e discriminatórias — como também o faz sem a proteção jurídica que, em 1983, tentou — sem sucesso — blindar a Bob Jones University. A questão central volta, então, ao coração da decisão: o benefício fiscal está condicionado à atuação em consonância com o interesse público.
E aqui é preciso deixar de lado o sentimentalismo acadêmico. As políticas DEI, embora revestidas de um vocabulário moralista e progressista, têm se mostrado altamente seletivas, identitárias, e, em muitos casos, hostis à verdadeira diversidade — a de pensamento. Critérios meritocráticos são abandonados em nome de reparações genéricas. Contratações e admissões passam a ser orientadas por recortes raciais e ideológicos. E departamentos inteiros tornam-se homogêneos no discurso e intolerantes na prática. O resultado? Uma universidade que exclui enquanto diz incluir.
O gesto de Trump, portanto, não pode ser reduzido a populismo. Ele se apoia em uma leitura plausível — e agora endossada por juristas como Barnett — de que o Estado não é obrigado a financiar ou favorecer, por vias tributárias, instituições que abandonaram sua missão educacional neutra para se tornarem plataformas de doutrinação política. O que está em jogo não é a censura à liberdade de expressão, mas o limite do privilégio fiscal.
Harvard poderá, é claro, continuar promovendo o que quiser — mas talvez precise fazê-lo sem os favores do Estado. A decisão do precedente Bob Jones não só autoriza essa reflexão. Ela a exige.
*Leonardo Corrêa – Advogado, LL.M pela University of Pennsylvania, Sócio de 3C LAW | Corrêa & Conforti Advogados, um dos Fundadores e Presidente da Lexum