Por Leonardo Corrêa*
No discurso de ontem ao Congresso, o presidente Donald Trump delineou sua visão para o país. Ele enfatizou a necessidade de um comércio mais equilibrado, denunciou desperdícios do governo democrata, criticou o uso de dinheiro público para fomentar uma máquina ideológica, abordou a situação da Ucrânia e reforçou seu compromisso com a independência energética dos Estados Unidos. Sua fala apresentou um projeto econômico e político voltado para fortalecer a soberania americana e recuperar a confiança dos cidadãos no governo.
Trump defendeu tarifas como um meio de assegurar condições justas para os produtos americanos no mercado global. Ele argumentou que os Estados Unidos há muito tempo permitem a entrada de produtos estrangeiros sem restrições, enquanto outros países impõem tarifas elevadas às mercadorias americanas. “A partir de 2 de abril, tarifas recíprocas entrarão em vigor, e o que quer que cobrem de nós, cobraremos deles.” Ele citou como exemplo a Harley-Davidson, que enfrenta tarifas de até 100% em mercados externos, enquanto produtos estrangeiros entram nos EUA praticamente sem impostos.
A defesa das tarifas como ferramenta de negociação não contradiz necessariamente o livre comércio. O liberalismo clássico sempre viu o comércio como um motor de prosperidade, mas dentro de um cenário onde regras justas prevalecem. Adam Smith e David Ricardo argumentavam que a abertura comercial beneficia todas as partes, mas partindo do pressuposto de que as trocas ocorrem em um ambiente equitativo. Quando outros governos impõem barreiras aos produtos americanos, uma política de reciprocidade pode ser justificada. O risco, no entanto, é que tarifas, se mal administradas, se tornem uma forma de protecionismo que prejudica a economia a longo prazo. Trump, no entanto, apresentou a medida como um instrumento de negociação, e não como um objetivo permanente.
O presidente também destacou a necessidade de proteger os agricultores americanos da concorrência desleal. Ele apontou que produtos estrangeiros muitas vezes entram nos EUA sem inspeção adequada. “O problema com produtos que vêm de outros países é que não passam por inspeção. Podem estar sujos, podem ser prejudiciais, mas entram livremente e prejudicam nossos fazendeiros.” Sua política busca assegurar que os produtores americanos tenham condições justas para competir no mercado.
Outro ponto central do discurso foi a crítica aos gastos do governo sob os democratas. Trump expôs uma série de despesas questionáveis, incluindo “$8 milhões para tornar ratos transgêneros” e “$22 bilhões para habitação e carros para imigrantes ilegais.” Segundo ele, esses recursos deveriam ser investidos em infraestrutura, segurança e redução de impostos. “Nós encontramos centenas de bilhões de dólares em fraudes e desperdícios. Pegamos esse dinheiro de volta e reduzimos nossa dívida.”
Entre os gastos listados, ele mencionou:
- $45 milhões para bolsas de estudo de diversidade, equidade e inclusão em Mianmar.
- $40 milhões para promover a “inclusão social e econômica de migrantes sedentários.”
- $8 milhões para promover a agenda LGBTQI+ no país africano de Lesoto.
- $60 milhões para “empoderamento afro-caribenho” na América Central.
- $32 milhões para financiar uma operação de propaganda de esquerda na Moldávia.
- $10 milhões para financiar circuncisão masculina em Moçambique.
- $20 milhões para um programa chamado “Sesame Street Árabe”, no Oriente Médio.
- $1.9 bilhão para um comitê de descarbonização de residências, chefiado por Stacey Abrams.
- $59 milhões para hotéis para imigrantes ilegais em Nova York.
- $101 milhões para contratos de diversidade, equidade e inclusão dentro do próprio Departamento de Educação dos EUA.
Trump afirmou que esses gastos fazem parte de um modelo de expansão do Estado que precisa ser revisto. “Sob a minha administração, essas fraudes foram identificadas, expostas e estão sendo rapidamente encerradas.” A crítica não é inédita e ecoa debates recorrentes sobre o uso de dinheiro público para projetos que, segundo detratores, servem mais a agendas políticas do que a necessidades concretas da população.
No entanto, algumas dessas alegações foram contestadas. Especialistas argumentam que certos valores podem ser distorcidos e que programas mencionados, embora polêmicos, nem sempre representam fraudes ou desperdícios evidentes. Além disso, Trump mencionou fraudes no sistema de seguridade social, citando pagamentos a milhões de pessoas supostamente centenárias, mas verificadores de fatos teriam apontado que essas discrepâncias podem resultar de erros administrativos e não de esquemas generalizados de corrupção.
Além do desperdício de recursos, Trump denunciou a forma como o governo democrata utilizou dinheiro público para fomentar uma máquina de propaganda progressista. “Acabamos com a tirania das políticas de diversidade, equidade e inclusão no governo, no setor privado e no nosso exército. Nosso país não será mais woke.” Ele afirmou que milhões de dólares foram canalizados para ONGs, projetos acadêmicos e programas culturais que promovem uma agenda ideológica específica. Essa tática se assemelha à estratégia gramsciana de conquistar hegemonia por meio das instituições culturais. Sob uma perspectiva liberal clássica, um Estado que financia ideologias compromete sua neutralidade e abre precedentes para o uso político do orçamento público.
Sobre a guerra na Ucrânia, Trump adotou um tom pragmático. Ele criticou os gastos bilionários no conflito e afirmou que a Ucrânia está pronta para negociar. “Hoje recebi uma carta do presidente Zelensky dizendo que ‘a Ucrânia está pronta para vir à mesa de negociações o mais rápido possível para trazer a paz duradoura mais perto.'” Ele enfatizou que “2.000 pessoas estão morrendo toda semana, russos e ucranianos, e é hora de acabar com essa loucura.” Seu posicionamento indica que ele pretende priorizar uma solução diplomática, em contraste com a abordagem atual de apoio contínuo ao esforço militar ucraniano.
A ideia de que Trump seria um fantoche de Putin entra em contradição com suas políticas energéticas. Ele anunciou um “gigantesco gasoduto natural no Alasca, um dos maiores do mundo, com investimentos trilionários do Japão, da Coreia do Sul e de outros países.” Além disso, reafirmou a necessidade de explorar petróleo e gás dentro dos EUA. “Temos mais ouro líquido sob nossos pés do que qualquer outro país da Terra, e agora eu dei plena autorização para ir buscá-lo. Drill, baby, drill.”
Essas medidas afetam diretamente os interesses russos, já que a economia da Rússia depende da exportação de petróleo e gás. Se Trump estivesse alinhado com Putin, seguiria uma política semelhante à de Biden, que restringiu a produção de energia nos EUA e, indiretamente, beneficiou a influência russa no setor energético global. Em vez disso, a proposta de Trump sugere um esforço para minar essa dependência, reduzir o preço global dos combustíveis e enfraquecer o peso econômico de Moscou.
O discurso de Trump reforçou a defesa de uma economia forte, de um governo menos intervencionista, de maior transparência nos gastos públicos e de uma política externa baseada em resultados concretos. Seu tom, contudo, também trouxe um componente retórico característico, com promessas grandiosas e previsões otimistas sobre o futuro. Se essas políticas serão bem-sucedidas, ainda é uma questão em aberto. O embate político em Washington, a resistência da burocracia e os interesses estabelecidos podem dificultar a implementação dessas mudanças. Além disso, o impacto das tarifas na economia dependerá da forma como forem administradas. O discurso marcou um posicionamento claro, mas sua efetividade dependerá da capacidade do governo de transformar palavras em ações concretas e de superar as barreiras políticas e econômicas no caminho.
*Leonardo Corrêa – Advogado, LL.M pela University of Pennsylvania, Sócio de 3C LAW | Corrêa & Conforti Advogados