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Facebook desobedeceu Moraes em 2020, mas não foi banido no Brasil

Ao revisitarmos o momento inicial da nossa história de quase seis anos de regime de exceção instaurado pelo Supremo Tribunal Federal, informações já esquecidas se fazem relevantes.

A mania do ministro Alexandre de Moraes de ameaçar aplicar multas exorbitantes em quem desobedecer a suas ordens de censura, por exemplo, já foi relativamente mais contida.

Em julho de 2020, a Gazeta do Povo informou que o Twitter (mais tarde X) e o Facebook levaram dois meses para cumprir a ordem judicial de Moraes para tirar do ar contas e perfis de apoiadores de Bolsonaro que ele incluiu no inconstitucional Inquérito das Fake News. Depois desses dois meses é que Moraes ameaçou uma multa de R$ 20 mil diários em caso de descumprimento.

Como contei na primeira reportagem da série Twitter Files Brasil, “as ameaças de multas exorbitantes se fizeram mais presentes quando Alexandre de Moraes assumiu a presidência do TSE [Tribunal Superior Eleitoral], em agosto de 2022”. Agora, havia pressa. O TSE deu cinco dias para o Twitter produzir endereços de IP de usuários que tinham postado hashtags a favor do voto impresso auditável e chamando pela prisão do ministro Luís Roberto Barroso, hoje presidente do STF. A ameaça de multa subiu para R$ 50 mil diários.

Quando o deputado Marcel Van Hattem (Novo-RS) se tornou alvo do TSE no dia 31 de outubro de 2022 sem ser notificado, após o segundo turno das eleições presidenciais, o valor da ameaça subiu para R$ 150 mil por hora. Os próprios consultores jurídicos do Twitter não entendiam por que razão tudo isso corria em segredo de Justiça.

Publicados em abril de 2024 no X e na Gazeta do Povo, os arquivos do Twitter foram a causa da briga pública entre Elon Musk, dono da rede social, e Alexandre de Moraes, que acabou incluindo o empresário em seus inquéritos secretos ilegais. Depois de ler nossas reportagens no perfil do meu colaborador Michael Shellenberger, Musk acusou Moraes de enviar ordens secretas de censura e determinar que o X mentisse para os usuários censurados que a razão de sua punição era violação dos termos de uso da rede social.

Para essa última alegação Musk nunca deu provas, mas ele forneceu por intimação de parlamentares americanos várias ordens judiciais de Moraes e seus assessores, revelando abusos como a tentativa de punição do podcaster Bruno “Monark” Aiub por reclamar de censura: a censura da reclamação contra censura, observaram os parlamentares.

Essa briga entre o juiz bêbado de poder e o empresário bem sucedido culminou no bloqueio do X por 40 dias em todo o território brasileiro no segundo semestre de 2024. A ordem de Moraes chocou até ativistas pró-censura brasileiros (claro que eles preferem dizer que se dedicam a outra causa, “combater desinformação”) como David Nemer e Thiago Amparo, noticiou o jornalista Jack Nicas, no New York Times.

Quando olhamos para 2020, o que vemos é um padrão de Moraes testando limites da República, ultrapassando-os, e buscando quais próximos limites ele poderá violar em sua sanha de poder. Uma boa ilustração para isso foi a maior leniência que o ministro dispensou ao Facebook naquela época.

Tales Faria, chefe da sucursal de Brasília do UOL, afirmou em 31 de julho de 2020 que “o Twitter chegou a acatar o bloqueio internacional [dos perfis dos apoiadores de Bolsonaro] cobrado por Alexandre de Moraes, mas anunciou que recorreria ao plenário do STF. Já o Facebook, não acatou a decisão do ministro, sob o argumento de que a própria legislação brasileira reconhece os limites de sua jurisdição”.

Uma palavra-chave, aqui, é “internacional”: Moraes não queria o banimento das contas somente no Brasil, mas no mundo todo — assim interpretaram os afetados com suas ordens. Testava limites até das fronteiras do país. “O exagero de Moraes pode servir para tirar das cordas o grupo”, concluiu Faria. “Um verdadeiro tiro no pé”.

No dia seguinte, Moraes cobrou o pagamento de uma multa de R$ 1,92 milhão, aumentou a contagem da multa para R$ 100 mil por dia por pessoa não bloqueada, e negou que o efeito de sua ordem afetasse “divulgação no exterior”, mas que queria o “bloqueio de contas e divulgação de mensagens ilícitas no território nacional, não importando o local de origem da postagem”. O ministro também intimou o presidente do Facebook Brasil, ameaçando responsabilizá-lo pessoalmente.

A desobediência do Facebook durou pouco, e a ambição de bloqueio das contas no mundo todo revela um período de ajuste entre as intenções do ministro e o que as redes sociais são tecnicamente capazes de fazer. Esse período de ajuste também foi observado nos Twitter Files: reuniões eram marcadas em 2020 e 2021 com representantes do Twitter para que explicassem por que motivo não conseguiam extrair o endereço de IP de tweets individuais, por exemplo.

Uma vez feito esse ajuste entre expectativa e realidade, Moraes ficou livre para censurar e violar o Artigo 19 do Marco Civil, que é o próximo alvo do ativismo judicial do STF. Mas no meio do caminho tinha um Musk. Agora que o Facebook abandonou o projeto de censura, “demitiu” as agências de checagem e adotou Notas da Comunidade, o empecilho no caminho da censura cresce, junto com a possibilidade de a rede social também enfrentar um banimento geral no Brasil, especialmente se a CIDH e o Senado não lembrarem a Moraes que limites existem.

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Eli Vieira

Eli Vieira

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