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Expulsar estrangeiro anti-Israel dos EUA é censura? Não na lei

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Há 381 anos, o escritor inglês John Milton publicou um ensaio que hoje é considerado uma das obras fundadoras da ideia da liberdade de expressão. Em meu livro, usei uma bela passagem do ensaio, na qual Milton diz que destruir um livro é como um assassinato que mata “uma imortalidade, em vez de uma vida”. (Tome nota, Flávio Dino.)

Mas há um problema: Milton foi um hipócrita. Ele apoiou por décadas a perseguição aos católicos. Mais dramaticamente, ele se tornou oficialmente um “licenciador”, termo da época para censores do governo que rejeitavam obras antes da publicação.

O advogado e especialista em liberdade de expressão dinamarquês Jacob Mchangama, em seu livro sobre a história desse direito, chama essa hipocrisia de “a maldição de Milton”. O propósito não é sujar a imagem de Milton e tirá-lo do posto histórico de campeão da liberdade (esse tipo de cancelamento é uma moda lamentável do identitarismo), mas fazer um alerta quase cristão: abandonar nossos princípios é uma tentação à qual devemos resistir.

Em suas primeiras horas, o segundo governo Trump emitiu ordens executivas com o efeito de desfazer as armas usadas no governo anterior de Biden para promover a censura. Antes, uma poderosa comissão parlamentar republicana buscou desfazer a “instrumentalização” do governo federal americano para a censura. A comissão foi presidida pelo deputado republicano Jim Jordan, um dos líderes que denunciaram os abusos das ordens secretas de Alexandre de Moraes contra redes sociais sediadas nos EUA.

É fato inegável: o governo Biden promoveu a censura sob a desculpa de combater “desinformação” e “discurso de ódio”. Tanto é assim que o vice na chapa democrata da ex-vice-presidente Kamala Harris, nas eleições de 2024, alegou que a Primeira Emenda não protege esse tipo de expressão, para desaprovação geral por sua ignorância.

É importante para o governo Trump reafirmar o padrão americano de proteção à expressão. Mas agora, com planos de deportação de ativistas anti-Israel, a administração está sendo acusada por alguns de estar sofrendo da maldição de Milton. Há mérito nessas alegações?

FIRE e outros manifestam preocupação

No dia 8 de março, agentes do Departamento de Segurança Interna (DHS) prenderam Mahmoud Khalil, um argelino com visto de estudante e autorização de residência permanente nos EUA (ele tem o green card, “cartão verde” cobiçado por imigrantes). Khalil estudou na Universidade Columbia, uma instituição privada de Nova York, onde promoveu protestos anti-Israel.

A prisão foi feita a mando do Departamento de Estado, chefiado por Marco Rubio. No dia seguinte, o DHS explicou que a detenção aconteceu porque Khalil “liderou atividades alinhadas ao Hamas, classificado como organização terrorista”.

Rubio, secretário de Estado, disse que “revogaremos os vistos e/ou green cards de apoiadores do Hamas nos EUA, para que possam ser deportados”. No dia 10, o presidente Donald Trump comentou o caso, defendendo a deportação de estudantes que se engajem em “atividade pró-terrorista, antissemita e antiamericana”.

A FIRE (Fundação por Direitos Individuais e Expressão), principal defensora da Primeira Emenda na sociedade civil americana, expressou preocupação com a detenção. É normal que tenha expressado, porque nos Estados Unidos há liberdade até para se expressar desejo de eliminação de algum grupo, contanto que não seja uma incitação direta e iminente à violência.

A própria FIRE reconheceu, contudo, que “as manifestações que ocorreram no campus da Columbia desde 7 de outubro de 2023 [dia do ataque do Hamas a Israel, com 1200 vítimas] incluíram tanto a expressão protegida pela Constituição quanto condutas ilegais”. Quais condutas? Bloquear acesso a salas de aula, por exemplo. É algo que a extrema esquerda custa a entender: ser livre para se expressar não inclui licença para barrar a movimentação dos outros ou silenciar palestras com megafones. A FIRE pediu mais “clareza” da administração quanto aos malfeitos cometidos pelo estrangeiro.

Conforme noticiou a BBC, alunos pró-Israel de Columbia acusaram Khalil de liderar um movimento conhecido como Cuad (sigla para “Desinvestimento do Apartheid [em Israel] da Universidade Columbia”). Khalil nega e diz que foi só um porta-voz para estudantes anti-Israel.

Alunos judeus dizem que os protestos se aproximaram do antissemitismo e os fizeram se sentir inseguros dentro da instituição. A Associação de Alunos Judeus de Columbia disse que Khalil “passou mais de um ano abusando dos privilégios conferidos a ele por este país e por Columbia”.

Recentemente, o governo federal cortou US$ 400 milhões em verbas para a universidade por “inação continuada face ao assédio persistente contra estudantes judeus”.

O governo Trump está dentro da lei ao deportar resistentes munidos do green card, segundo juristas consultados pela BBC. De fato, as normas vigentes para concessão de vistos e residência falam explicitamente que não é permitido aos estrangeiros que expressem aderência a grupos terroristas, sob pena de revogação do visto e deportação. A aplicação dessas normas exatamente como foi feito, contudo, é sem precedentes.

No ano passado, Khalil foi suspenso de Columbia por um tempo exatamente quando os estudantes já estavam ultrapassando o limite da expressão, fazendo acampamentos que prejudicavam o funcionamento normal da universidade. Ele alega que a universidade não achou provas contra ele, e que evitou participar do acampamento justamente pensando em preservar seu visto.

A ACLU (União Americana de Liberdades Civis) alegou que a detenção e planos de deportação de Khalil são uma tentativa “óbvia” de “intimidar a expressão de um lado do debate público”. Contudo, diferente da FIRE, a ACLU nos últimos anos foi capturada pela ideologia identitária e passou por sua própria maldição de Milton ao defender a limitação da expressão da forma que os identitários querem. Logo, ela é suspeita para falar, já que boa parte do progressismo caiu firmemente no lado anti-Israel desde o início da guerra Israel-Hamas.

Um debate necessário

As redes sociais, com seu incentivo à economia da atenção, trouxeram para muitas cabeças a estratégia da hipérbole. Há, de um lado, a hipérbole dos que chamam toda crítica anti-Israel de antissemitismo, e há, de outro, a hipérbole de quem de fato está assediando judeus e violando leis em protestos porque acreditam, erroneamente, que Israel é um Estado de “Apartheid” e que o antigo estatuto antissemita do Hamas, dos anos 1980, não tem mais influência sobre o que o grupo terrorista é e faz hoje.

Para reduzir um pouco o ruído, trago a perspectiva de duas pessoas que respeito e jamais vi caindo em hipérbole: o jornalista americano Lee Fang e a colunista singapurense Melissa Chen.

Disse Fang, hoje no X: “Há oito anos, os esquerdistas estavam fechando eventos de palestras em campi — como o do [ativista conservador] Milo [Yiannopoulos] em Berkeley — por causa de alegações completamente fabricadas a respeito de segurança. Eles disseram que permitir a expressão de direita representava um risco físico para as pessoas trans e as pessoas não-brancas. Agora, o governo Trump está fabricando alegações falsas segundo as quais protestos estudantis não-violentos pró-Palestina são iguais ao terrorismo. Você pode repudiar protestos pró-Palestina ou Milo, não há problema nisso e há boas razões para repudiar, mas não há evidência de que qualquer um dos dois representassem riscos de verdade. É a mesma dinâmica histérica, mais uma vez”.

Disse Melissa Chen, no mesmo dia e mesma plataforma: “Como portadora do green card, tive que assinar documentos para o meu advogado de imigração declarando que ele havia explicado para mim as consequências de participar de qualquer protesto político, incluindo a assinatura de abaixo-assinados. Também tínhamos que submeter a escrutínio [do governo] todas as nossas redes sociais. Mudei minha foto de perfil para uma em que eu tinha uma camiseta em que estava escrito ‘amo armas e Jesus’ e um boné com ‘odeio comunistas’, só para não deixar dúvidas. Estou brincando. Mas era um biquíni com as estrelas e listras da bandeira.”

Ela continua: “Dá para imaginar ser pego por câmeras usando um xale keffiyeh [associado a militantes anti-Israel] e dizendo que você apoia a resistência armada de qualquer tipo? É compreensível que a maioria dos americanos não entenda quantas condições estão ligadas ao status de residente permanente, já que nasceram no país. Esse processo é importante para candidatos do green card porque prova que você quer se assimilar ao modo de vida americano. O status condicional de cinco anos também é um ótimo mecanismo de filtragem pelo qual aspirantes a cidadãos tenham autodisciplina suficiente para ao menos esperar até a naturalização para começar a se engajar em qualquer tipo de atividade política. É um teste de nível básico para o tipo de imigrante que você quer no seu país.”

Para transparência: conheci Fang e Chen em Londres, e gosto de ambos.

Para encerrar, minha opinião. Parece cedo demais para dizer que o governo Trump está caindo na maldição de Milton ao pretender expulsar Khalil. Há suspeitas de que ele tenha feito muito mais que apenas criticar Israel com palavras. O argumento legalista de Chen faz sentido: se portadores do green card não podem nem votar, então têm um status diferente dos cidadãos americanos reconhecidos legalmente, e é um status ao qual a Primeira Emenda não se aplica, não com a mesma força que se aplicaria a cidadãos.

Ao afirmar que evitou participar dos acampamentos por saber que isso prejudicaria seu visto, Khalil demonstra estar plenamente ciente de seu status como não-cidadão residente nos EUA. Seu envolvimento em movimento político, qualquer que fosse o conteúdo dele, já era um grande risco que ele assumia.

Defensores da liberdade de expressão, sejam eles indivíduos ou grandes instituições como o governo federal dos Estados Unidos, precisam mostrar que resistem à maldição de Milton demonstrando bastante tolerância a palavras repugnantes como as que saem da boca de apoiadores do Hamas.

Deportar Khalil está na medida certa da tolerância, ou transparece intolerância? Ainda que perfeitamente dentro da lei, para a imagem anticensura da ainda nova administração é preciso ter certeza de que Khalil realmente passou dos limites e, como disseram seus colegas judeus, abusou de seus privilégios de visitante na casa dos outros.

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