No começo de 2020, quando o novo coronavírus se alastrava pelo mundo, agentes de inteligência do BND, o Serviço Federal de Inteligência da Alemanha, se encontraram em Berlim para discutir o mistério mais sensível então: a origem da COVID-19.
O encontro foi para uma operação que apelidaram de “Projeto Saaremaa” (nome de uma ilha da Estônia no Mar Báltico), que consistia em investigar órgãos estatais e institutos de pesquisa da China, em especial o Instituto de Virologia de Wuhan (IVW). É justamente na metrópole onde se encontra o instituto que começou a pandemia.
De acordo com reportagem publicada hoje no jornal alemão Die Zeit, os espiões do país fizeram descobertas importantes sobre o IVW. Eles acharam “dados e documentos internos não publicados dos cientistas chineses”, e “o material é fascinante cientifica e historicamente, além de politicamente explosivo”.
As informações “poderiam dar pistas sobre a origem do vírus”. Para o jornal, a avaliação dos agentes de inteligência alemães é “eletrizante e altamente política, ainda assim foi o segredo mais bem mantido de Berlim por anos”.
A apuração jornalística do Zeit durou 18 meses e contou com parceria do Süddeutsche Zeitung. O período do segredo incluiu o último mandato da chanceler Angela Merkel e a recém-encerrada gestão de Olaf Scholz.
Entre os dados colhidos pelos alemães estão séries de experimentos com coronavírus, informações sobre experimentos com animais e estudos científicos inteiros não publicados em 2019 e 2020 sobre os efeitos do coronavírus no cérebro humano. Os encarregados de analisar os dados foram os integrantes do Departamento de Tecnologia e Ciência do BND, chamados de “nerds” internamente.
Depois dos anos de trabalho dos “nerds”, o BND está convencido de que o coronavírus “provavelmente se originou em um laboratório chinês”. A probabilidade calculada para a origem laboratorial está entre 80% e 95%. Como em outras análises, não há uma bala de prata, mas, neste caso, uma forte desconfiança. Os alemães pensam, como os americanos, que foi um vazamento acidental, não a liberação proposital de uma arma biológica.
Bruno Kahl, presidente do BND, apresentou as conclusões à chancelaria ainda em 2020, em briefings para a cúpula do governo Merkel. As autoridades citadas, incluindo Merkel, preferiram não comentar o caso ao serem contatados pelos dois jornais.
Um possível motivo para o silêncio da administração Merkel foi que o BND havia cometido erros crassos antes em seus relatórios de inteligência. Outro motivo foi imagem: não queriam ser confundidos com Trump, que no fim de seu primeiro mandato já denunciava a origem laboratorial.
Somente no final de 2024 o BND compartilhou suas conclusões discretamente com os americanos e alguns cientistas alemães fora do serviço. A probabilidade de 80% a 95% só foi comunicada no mês passado. O material usado para as conclusões continua sob segredo.
Nos Estados Unidos, o FBI foi uma das primeiras agências de inteligência que propuseram que a explicação mais provável para a origem do vírus é o vazamento laboratorial, acima da origem em animais silvestres como morcegos. Desde o início do segundo governo Trump, a CIA passou a apoiar a ideia. Para os jornais alemães, o compartilhamento das conclusões do BND ajudou a CIA a acompanhar o FBI.
A unidade de inteligência da revista britânica The Economist calculou que a pandemia matou 20 milhões de pessoas, número também sugerido pela Organização Mundial da Saúde. Na Alemanha, foram 174 mil.
A chancelaria alemã agora pretende compartilhar as conclusões do serviço de inteligência com o parlamento (Bundestag) e com a OMS.