A agência era parte fundamental de uma “bolha” de política externa imperialista e de Estado profundo sem prestação de contas
Por Michael Shellenberger e Alex Gutentag
O presidente Donald Trump, Elon Musk e seu Departamento de Eficiência Governamental (DOGE) estão minando a democracia e a segurança nacional ao assumirem o controle da Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional (USAID), afirmam democratas e a imprensa tradicional. “Isto é um incêndio de cinco alarmes”, escreveu a deputada Alexandria Ocasio-Cortez no X. “O povo elegeu Donald Trump para ser presidente – não Elon Musk. Ter um bilionário não eleito, com suas próprias dívidas e motivações estrangeiras, invadindo informações confidenciais dos EUA é uma grave ameaça à segurança nacional.” A ABC News descreveu a USAID em um estado de “tumulto contínuo” e em “caos”. Um executivo sênior da USAID disse à ABC: “A velocidade relâmpago dessa tomada de poder, semelhante à de uma máfia, abalou profundamente os funcionários da USAID.”
Mas não houve nada de ilegal, antiético ou inapropriado na tomada de poder do DOGE sobre a USAID, e ninguém apresentou qualquer evidência de que isso ameaça a segurança nacional. O povo americano elegeu Trump, que nomeou Musk para supervisionar o DOGE, assim como Trump tem o direito de fazer. “Quanto às questões da USAID”, disse Musk na noite passada no X, “analisei tudo com (o presidente) em detalhe e ele concordou que deveríamos encerrá-la.” Não há evidência de que Musk estivesse acessando ilegalmente informações confidenciais, como insinuou Ocasio-Cortez. Nem há algo “semelhante à máfia” em uma nova administração agir rapidamente para assumir o controle das agências que gerencia. Trump tentou fundir a USAID com o Departamento de Estado em 2017.
Pode ser que o Congresso tenha que aprovar qualquer dissolução da USAID, uma vez que foi o Congresso que a criou. “Tentar dissolver a USAID sem legislação seria ilegal e uma grave violação da separação de poderes estabelecida pela Constituição”, argumentou Jeremy Konyndyk, presidente da Refugees International, no X. “A USAID foi inicialmente criada por OE [Ordem Executiva]; mas depois explicitada em lei… em 1998, e somente o Congresso pode reverter isso.” A deputada Rosa Delauro disse: “Desde 1998, o Congresso reconheceu a independência da USAID e a financiou em leis anuais de orçamento.”
Mas tudo o que Trump fez foi colocar sua equipe no comando da USAID, pausar suas concessões e fechar as comunicações da organização. Quando questionado sobre a USAID ontem, ele disse: “Ela estava sendo administrada por um bando de lunáticos radicais e nós vamos tirá-los de lá… e então tomaremos uma decisão.” Se os tribunais decidirem que Trump dissolveu a USAID em violação da lei, os indícios sugerem que ele obedeceria à decisão judicial, como fez com todas as ordens recebidas entre 2017 e 2021. E se a USAID estivesse financiando atividades que valem a pena, elas poderão ser financiadas novamente no futuro.
Além disso, pesquisadores descobriram que a USAID abusava de seus poderes, inclusive financiando desde censura até o Instituto de Virologia de Wuhan (IVW), que pode ter realizado pesquisas que resultaram na pandemia de covid. Entre 2004 e 2022, a USAID foi a maior financiadora governamental nos EUA da ONG EcoHealth Alliance, que repassou recursos para o IVW. A USAID concedeu à EcoHealth Alliance US$ 54 milhões durante esse período, o que foi até mais do que os US$ 42 milhões que o grupo recebeu do Pentágono.
Samantha Powers, diretora da USAID durante o governo do presidente Barack Obama, evitou responder a perguntas sobre o envolvimento da USAID com o IVW, como acusou o senador Rand Paul em 2023. “Algumas das propostas de pesquisa em 2018 eram do Instituto de Virologia de Wuhan pedindo dinheiro para criar um… coronavírus semelhante ao da SARS [gripe asiática] com um sítio de clivagem da furina”, disse Paul. “É exatamente isso o que foi revelado sobre o que o vírus da COVID-19 é.”
Paul acusou Powers de reter informações. “Queremos saber se houve outras propostas de pesquisa a que vocês concederam ou negaram verbas que fossem na mesma linha de criar vírus que poderiam ter se tornado a COVID-19. Não dá para sabermos, porque vocês não nos dão informações… Agora tenho 25 senadores que lhes enviaram uma carta, e vocês não estão respondendo… Vocês estão sendo desonestos.”
Evidências de que a USAID ocultou informações do Congresso são justificativas suficientes para que Trump remova a liderança da agência e pause o financiamento. Afinal, a USAID pode estar atualmente financiando pesquisas perigosas e não informando ao Congresso.
Isso não significa que a estratégia de Trump venha sem riscos para sua administração. Muitos membros do Congresso estão profundamente envolvidos com a USAID, que apoia think tanks tanto democratas quanto republicanos, como o Instituto Nacional Democrático (NDI) e o Instituto Republicano Internacional (IRI), que levam membros do Congresso a nações estrangeiras em diversas viagens. O NDI chama seu trabalho com os democratas de “desenvolvimento legislativo”, enquanto o IRI o denomina “fortalecimento legislativo”. Os esforços parecem ser abertos para influenciar membros do Congresso a apoiar a USAID. Esses membros podem, na próxima semana, expressar seu descontentamento com Trump.
Quanto aos democratas progressistas, eles deveriam aplaudir as ações de Trump contra a USAID. Grupos anti-imperialistas de esquerda vêm criticando a USAID há 50 anos como uma extensão do intervencionismo governamental dos EUA no exterior. Noam Chomsky, talvez o crítico de imperialismo governamental dos EUA mais influente à esquerda, acusou a USAID de minar o governo do Haiti. Depois que o candidato apoiado pelos EUA perdeu, Chomsky comentou em uma palestra em 2002: “os EUA mudaram imediatamente de política. A USAID foi desviada da posição pró-governo para agências antigoverno. Todos os esforços foram feitos para minar o governo [recém-eleito].” A revista socialista Jacobin, já em 2017, criticou o trabalho da USAID em El Salvador como um “Cavalo de Troia” para uma agenda política secreta.
Então, o que realmente está acontecendo aqui? Por que Trump arriscou alienar até mesmo muitos republicanos no Congresso para desmontar a USAID? E por que os democratas progressistas, como Ocasio-Cortez e outros esquerdistas, não estão celebrando o desmonte de uma agência estatal dos EUA que há muito criticam por promover o imperialismo?
Democratas contra a democracia
A USAID tem a distinção de ser tanto uma agência do “Estado profundo”, envolvida em ações secretas destinadas a desestabilizar governos estrangeiros, quanto uma das principais agências governamentais dos EUA que compõem o establishment de política externa, o que muitos, tanto à esquerda quanto à direita, chamam de “The Blob” (“A Bolha [Assassina]”), por ser composta por uma elite imperialista amorfa, mutante e autoperpetuante, como o famoso alienígena gelatinoso do filme de ficção científica de 1958 com o mesmo nome.
Algumas horas depois de o site da USAID ter ficado fora do ar, Nayib Bukele, presidente de El Salvador, escreveu no X: “A maioria dos governos não quer que os fundos da USAID fluam para seus países porque entendem para onde grande parte desse dinheiro realmente vai. Embora seja divulgado como apoio ao desenvolvimento, à democracia e aos direitos humanos, a maioria desses fundos é canalizada para grupos de oposição, ONGs com agendas políticas e movimentos desestabilizadores. No melhor dos cenários, talvez 10% do dinheiro chegue a projetos reais que ajudam pessoas necessitadas (há casos assim), mas o resto é usado para fomentar a dissidência, financiar protestos e enfraquecer governos que se recusam a alinhar-se com a agenda globalista. Cortar essa suposta ajuda não é apenas benéfico para os Estados Unidos; é também uma grande vitória para o resto do mundo.”
As preocupações levantadas por Bukele são idênticas às de Chomsky e da revista Jacobin. Mas Bukele é um populista de direita, e não um populista de esquerda, o que pode explicar por que os democratas progressistas e os esquerdistas não estão apoiando o desmonte da USAID por Trump.
A USAID está entre outras organizações do governo dos EUA que promoveram a mudança de regime no exterior, inclusive no Oriente Médio e na Europa Oriental. Mesmo “para seus defensores”, observa o Washington Post, “a USAID é um braço indispensável da política externa dos EUA” que gasta US$ 40 bilhões por ano para influenciar a política em 130 países.
O dinheiro é, ostensivamente, utilizado para coisas como auxílio a refugiados mas, como apontaram a Jacobin e Chomsky, esse dinheiro é sempre altamente estratégico e visa influenciar a política. Vale considerar que muitos dos defensores da USAID operam como se fossem instituições de caridade normais. A USAID é “um kit de ferramentas de segurança nacional”, disse Konyndyk, presidente da Refugees International.
Como parte dos esforços do governo dos EUA para derrubar governos no exterior, ou simplesmente para influenciar suas ações, a USAID tem, nos últimos anos, financiado a defesa da censura em todo o mundo através de seu programa “Combatendo a Desinformação”, que faz parte de seu Consórcio para o Fortalecimento de Eleições e Processos Políticos (CEPPS). Esse trabalho incluiu financiamento para organizações de “verificação de fatos”, inclusive no Brasil, que os governos usam como pretexto para exigir censura das empresas de rede social.
O programa da USAID expõe sua estratégia, que é financiar organizações supostamente “da sociedade civil” para pressionar redes sociais como o Facebook e o X a censurarem mais, e para realizar “verificação de fatos”. A USAID também promoveu a pressão sobre anunciantes para exigir mais censura nas redes sociais, observa Mike Benz, fundador da Foundation for Freedom Online.
A agência promoveu a “pré-refutação”, como a usada pelo Instituto Aspen para programar jornalistas e empresas de rede social a censurarem a notícia sobre o laptop de Hunter Biden, bem como o “silêncio estratégico”, semelhante ao que o Aspen promoveu junto aos jornalistas no verão de 2020, antes de o New York Post publicar sua primeira matéria sobre o laptop. A USAID já financiou o Aspen no passado.
A USAID também financia organizações de mídia, incluindo a BBC, diretamente. “Ela concede quase £2 milhões por ano para treinar repórteres – em 35 países – sobre como servir a Washington”, observou o jornalista independente Matt Kennard.
A ativista pró-censura Nina Jankowicz, que brevemente foi chefe do “Conselho de Governança da Desinformação” do Departamento de Segurança Interna, postou uma defesa da USAID na rede social BlueSky ontem. Pouco depois, Benz observou que a USAID é uma das financiadoras da ativista.
Benz também apontou para o financiamento, por parte da USAID, de um grupo chamado “Projeto de Reportagem sobre Crime Organizado e Corrupção” (OCCRP), que investigou Rudy Giuliani [advogado de Trump nas eleições de 2020], e cujo trabalho foi citado em uma carta escrita por um agente da CIA, resultando em um pedido de impeachment contra Donald Trump. Em um documentário, o OCCRP admitiu que a USAID precisa aprovar os próprios altos funcionários do grupo, o que mostra que o OCCRP não é editorialmente independente do governo dos EUA. O governo dos EUA foi o primeiro e maior doador do OCCRP. E o chefe do OCCRP afirma que o trabalho de reportagem de sua organização resultou em mudança de regime em cinco a seis nações.
E, segundo Benz, a USAID financiou o Atlantic Council, que fazia parte do Complexo Industrial de Censura que exigiu a supressão de informações desfavorecidas sobre as eleições e a covid em 2020 e 2021.
Curiosamente, uma organização financiada pela USAID patrocinou a viagem de Ocasio-Cortez ao Níger em 2009. Na época, o país vivia uma guerra civil e, alguns meses depois, ocorreu um golpe militar que, segundo alguns, teve apoio do governo dos EUA. Um documento do Centro de Estudos Estratégicos e Internacionais (CSIS), um think tank financiado pelo governo dos EUA, questiona: “Alguns comentaristas descreveram o que aconteceu como um ‘bom golpe’. Existe algo assim?” — ao que o CSIS responde: “É verdade que poucas lágrimas foram derramadas pelo presidente que estava saindo.”
A USAID foi a principal financiadora dos grupos por trás da derrubada de governos durante a chamada “Primavera Árabe” e das “Revoluções das Cores” na Europa Oriental. A USAID esteve entre os primeiros doadores na Tunísia, concedendo US$ 19 milhões para partidos políticos e mobilizações de ativistas, assim como milhões para atividades similares no Egito. A USAID financiou o movimento juvenil sérvio Otpor!, que teve papel fundamental na derrubada de Slobodan Milošević, e o meio de comunicação independente Rustavi-2, que foi instrumental na mobilização da opinião pública contra o governo para apoiar a Revolução das Rosas na Geórgia.
Esse trabalho continuou ao redor do mundo. Em 2014, a Associated Press noticiou que o governo Obama “despachou secretamente jovens latino-americanos para Cuba, utilizando o disfarce de programas de saúde e cívicos para provocar mudanças políticas, uma operação clandestina que colocou esses estrangeiros em perigo mesmo depois que um contratado dos EUA foi levado para uma prisão cubana.”
E, de acordo com uma nova matéria da CNN na segunda-feira (3), parece que autoridades da USAID tentaram “contornar a ordem executiva de Trump que congelava a ajuda externa por 90 dias.” O governo Trump colocou “cerca de 60 funcionários sêniores da USAID… de licença na semana passada” e “outro alto funcionário foi colocado de licença por tentar reverter essa decisão.” Disse Musk no domingo: “Nós não temos ‘uma maçã com um verme dentro’. Temos uma bola de vermes… A USAID é uma bola de vermes.”
Então, por que Trump e Musk tomaram uma ação tão agressiva contra a USAID? Parte da razão pode ser o fato de que ela financia o Complexo Industrial de Censura, que visou Trump e seus apoiadores e que Musk expôs por meio dos Twitter Files. Outra parte da razão é que a USAID é um instrumento do império dos EUA, e os eleitores escolheram Trump para priorizar “América em Primeiro Lugar” em vez de compromissos globais.
Os vínculos entre o trabalho de mudança de regime da USAID no exterior e o trabalho anti-Trump nos EUA podem ser mais profundos do que se imagina. Antes de trabalhar no DHS [Departamento de Segurança Interna, criado no começo do milênio para atuar contra o terrorismo], Jankowicz trabalhou em “programas de assistência à democracia” para o NDI na Europa Oriental. E, como descobrimos através dos Twitter Files, ela esteve envolvida em um esforço, apoiado por um fundo de capital de risco apoiado nos bastidores pela CIA, para assumir o controle da moderação de conteúdo do Twitter.
E por que os democratas progressistas estão indignados? Em parte, porque a USAID financiou muitos deles. Em parte, porque eles apoiam os esforços da agência para censurar vozes populistas tanto no exterior quanto nos EUA. E em parte porque ela se tornou, ao longo dos últimos 20 anos, o partido que mais apoia a continuidade do império dos EUA, mesmo que às custas dos interesses dos cidadãos americanos.
A direita faz o que a esquerda não conseguiu fazer
Trump e Musk provavelmente enfrentarão uma forte reação do Congresso esta semana devido à interrupção abrupta do financiamento da USAID, à demissão de seus líderes e ao fechamento do site e das contas no X. Trump pode ter antecipado a preocupação crescente quando tranquilizou um repórter quanto a não ter tomado uma decisão sobre o futuro da organização e estava simplesmente removendo os “lunáticos radicais” que a administravam.
Mas, ao agir rapidamente e expor publicamente a sujeira da USAID, Musk e Trump enviaram um sinal forte contra a censura e outras ações antidemocráticas utilizadas pela agência. “Trump está desmontando a infraestrutura do império dos EUA, particularmente seu aparato de propaganda”, comentou Kennard. “Incrível.”
De fato, é incrível que Trump, que por anos foi descrito por democratas e pela mídia como um fascista, tenha feito significativamente mais do que figuras de esquerda como Ocasio-Cortez para desafiar a “bolha”.
O foco de Trump na soberania, no realismo e na força representa um grande afastamento de décadas de intromissão estrangeira, mudanças de regime e operações de influência. Essa medida é um passo fundamental para deslocar o foco dos EUA dos projetos globalistas de volta para a prosperidade doméstica, que tem sido uma característica da plataforma de Trump por anos. Em 2016, Trump afirmou: “Não vamos mais entregar este país ou seu povo à falsa canção do globalismo. O Estado-nação continua sendo a verdadeira base para a felicidade e a harmonia.”
Desde sua primeira eleição, ficou ainda mais evidente que as consequências da política externa dos EUA poderiam perturbar a harmonia interna. Para combater a suposta “desinformação”, o Complexo Industrial de Censura utilizou táticas de contraterrorismo e de inteligência desenvolvidas no exterior, inclusive operações psicológicas, e as adaptou para moldar a opinião e o pensamento internos.
Essa adaptação das ferramentas de segurança nacional foi uma característica chave da instrumentalização do governo contra Trump, seus apoiadores e outros dissidentes. A busca pelo globalismo e a intervenção no exterior provaram-se, portanto, não apenas custosas e uma distração, mas também propiciaram abusos de poder contra os cidadãos americanos.
O próximo passo para o governo Trump deveria ser o desfinanciamento de programas federais e contratados que promovem ou se envolvem em censura e propaganda. O reengajamento com o Estado-nação exigirá um compromisso inabalável com a liberdade de expressão. A administração Trump deveria cortar o financiamento de grupos, incluindo o Instituto Aspen, que interferiu na eleição de 2020. Trump deveria ordenar ao Departamento de Estado, à Fundação Nacional de Ciências, ao Departamento de Segurança Interna e a outras agências que encerrem todos os contratos com defensores da censura e “pesquisadores de desinformação.”
Em breve, os americanos terão uma nova e aprimorada visão do que está acontecendo. Desmantelar a USAID não é a grave ameaça à segurança nacional que a deputada Ocasio-Cortez afirma ser. Pelo contrário, ela e outros defensores do Estado profundo e da “bolha” da política externa são a verdadeira ameaça.
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