Por Leonardo Corrêa
No programa CNN Arena de 04 de fevereiro de 2025, uma terça-feira, houve um debate interessante entre Helio Beltrão e Soraia Mendes. Em dado momento, a professora afirmou: “continuo compreendendo que não se polariza com a extrema direita. A extrema direita está fora do espectro democrático (…) é impossível você polarizar com… grupos ideológicos que estão fora do espectro democrático. (…) Mas o PT resolveu fazer isso.”
Helio Beltrão, ao pedir a palavra, pontuou que os parlamentares que Soraia considerava de extrema direita foram eleitos pelo povo brasileiro e que afastar o debate de ideias opostas seria um comportamento antidemocrático. Ele concluiu dizendo que devemos conviver com a diversidade ideológica e manter o diálogo. Na sequência, Soraia Mendes respondeu com uma observação comum: “vale lembrar ao Helio que os nazistas foram eleitos.”
Achei o argumento estranho, mas a questão passou um pouco despercebida para mim até a sexta-feira. Nesse dia, me deparei com um artigo sensacional do professor Fernando Schüler para a Revista Veja, intitulado “Dano Colateral”. No texto, Schüler menciona uma advogada que, por defender princípios jurídicos fundamentais, atuou na defesa de um prisioneiro de Guantánamo na época da Guerra ao Terror. Essa história me remeteu a um debate que assisti na Federalist Society em 2007, no qual a professora Nadine Strossen, da NYU e então presidente da ACLU, fez uma defesa brilhante das garantias individuais, demonstrando que até os piores criminosos devem ter acesso às cortes e ao devido processo legal.
Fiquei curioso e, após pesquisar no YouTube, descobri que a professora Nadine, embora alinhada ao espectro progressista, é uma ferrenha defensora da liberdade de expressão. Ela, inclusive, é autora do livro “HATE: Why We Should Resist it With Free Speech, Not Censorship” (tradução livre: ÓDIO: Por Que Devemos Resisti-lo com Liberdade de Expressão, Não com Censura). Encontrei, então, uma entrevista que ela fala do livro e relata pontos interessantes, totalmente aplicáveis ao debate do Arena.
No programa, Nadine Strossen – cujo pai foi um sobrevivente do Holocausto – considera justamente o argumento de Soraia Mendes, mostrando que esse argumento, repetido com frequência, parte de uma premissa equivocada. Na entrevista, a ex-Presidente da ACLU explica que é um erro atribuir à ascensão do nazismo na Alemanha ao excesso de liberdade de expressão e à democracia. Ela menciona que um aspecto frequentemente ignorado é que a Alemanha desse período possuía leis rigorosas contra o discurso de ódio. Essas leis não apenas falharam em impedir o crescimento do nazismo, como também serviram para reforçar a narrativa de perseguição explorada pelos extremistas.
Fui mais além e encontrei o seguinte: o Código Penal alemão previa punições para incitação ao ódio racial e religioso (§130), propaganda de violência (§131) e blasfêmia (§166). Com base nessas leis, o governo de Weimar tentou reprimir tanto nazistas quanto comunistas, banindo jornais, processando propagandistas e até prendendo figuras proeminentes, como Adolf Hitler, após o Putsch da Cervejaria em 1923. O partido nazista foi temporariamente proibido, e publicações como Der Stürmer, jornal antissemita de Julius Streicher, foram alvos constantes de processos judiciais.
Apesar dessas tentativas de repressão, as leis falharam. O problema não estava na falta de regulamentação, mas na aplicação inconsistente e nos efeitos colaterais gerados. O sistema judicial alemão, muitas vezes simpático à extrema-direita, aplicava penas brandas contra os nazistas, ao mesmo tempo em que usava a legislação para silenciar opositores políticos do governo. Esse duplo padrão reforçou a desconfiança na República e fortaleceu a retórica nazista de que os nacionalistas estavam sendo perseguidos por forças supostamente traidoras dentro do próprio país.
O caso de Hitler é emblemático. Seu julgamento por traição e sua breve prisão serviram como plataforma para projetar sua imagem como um mártir da causa nacionalista. Foi nesse período que ele escreveu Mein Kampf, transformando sua ideologia em um manifesto acessível a milhões de alemães. A censura, em vez de conter suas ideias, proporcionou-lhes maior visibilidade e legitimidade entre os descontentes.
Outro efeito inesperado foi a radicalização da sociedade. Quando o governo de Weimar tentava suprimir discursos extremistas, muitas vezes o fazia sem oferecer uma resposta convincente no campo das ideias. A mera repressão não erradicava o ressentimento existente na população, que, diante da crise econômica e da humilhação do Tratado de Versalhes, buscava narrativas simplificadas e líderes que prometessem um futuro melhor.
O fracasso das leis de discurso de ódio na República de Weimar não é apenas uma lição histórica, mas um alerta para os tempos atuais. Restringir a liberdade de expressão na tentativa de conter ideologias perigosas pode ter o efeito contrário: fortalecer aqueles que se dizem censurados, amplificar seu apelo e enfraquecer a confiança nas instituições democráticas. Essa dinâmica não se limita à Alemanha dos anos 1930, mas se repete em diferentes momentos da história. Um exemplo contemporâneo disso, mencionado pela Professora Nadine na entrevista mencionada acima, é o caso de Skokie (1977-1978), nos Estados Unidos, quando a American Civil Liberties Union (ACLU) defendeu judicialmente o direito de um grupo nazista de marchar em uma cidade onde moravam muitos sobreviventes do Holocausto.
A decisão da ACLU foi extremamente impopular, resultando na perda de aproximadamente 15% do total de membros na época. No entanto, a ACLU manteve sua posição, argumentando que a liberdade de expressão só é significativa quando se aplica até mesmo às ideias mais repugnantes. Apesar da reação negativa, a Suprema Corte dos EUA decidiu a favor dos nazistas, reafirmando o princípio constitucional de que o governo não pode censurar discursos apenas por serem ofensivos.
O paralelo entre Weimar e Skokie demonstra um ponto essencial: a censura não destrói ideologias extremistas; ao contrário, pode dar-lhes ainda mais força, transformando seus defensores em mártires e alimentando suas narrativas de perseguição. A defesa da liberdade de expressão, por mais difícil que seja em certos casos, é a melhor forma de desarmar o extremismo, permitindo que ideias sejam confrontadas publicamente e refutadas pelo debate racional.
No debate do CNN Arena, Helio Beltrão estava absolutamente correto ao afirmar que afastar ideias consideradas incômodas do debate público é uma atitude antidemocrática. A história mostra que reprimir ideias incômodas não as extingue; ao contrário, pode dar-lhes mais apelo e legitimidade aos olhos de seus simpatizantes. Assim como as leis de discurso de ódio na República de Weimar falharam em conter o nazismo e a censura nos EUA serviu apenas para aumentar a notoriedade dos extremistas, excluir certos grupos do espectro político em nome da “democracia” pode acabar minando os próprios princípios democráticos. O verdadeiro antídoto contra ideologias autoritárias não é a censura, mas a reafirmação intransigente da liberdade de expressão, do debate aberto e da educação.
Sempre defendi o povo judeu e abomino qualquer forma de autoritarismo ou totalitarismo. Meu avô materno, José Varela, foi veterano da Segunda Guerra Mundial e, movido pelo senso de dever, falsificou sua identidade para se alistar e lutar contra os nazistas, mesmo sendo menor de idade. Ele entendeu, desde cedo, que algumas batalhas não admitem neutralidade. Esse mesmo princípio vale para a defesa da liberdade, que não pode ser relativizada ou negociada.
Essas ideias malditas não se combatem com censura, pois, ao fim e ao cabo, censura é a arma dos próprios autoritários, totalitários e ditadores de todos os matizes. O único limite legítimo à liberdade de expressão deve ser quando o discurso gera um perigo real e imediato, um risco concreto de dano e violência. Fora isso, o combate ao extremismo se dá pelo enfrentamento das ideias e pelo compromisso inabalável com os princípios da liberdade. E esses princípios devem ser defendidos com unhas e dentes, em qualquer tempo e sob qualquer circunstância.
Respostas de 3
Excelente artigo!
Não existe limite à limite liberdade. A sociedade a natureza demonstram, desde a criação do universo ao primeiro momento se inicia a liberdade, à entropia dos sistemas que buscam se organizar, para imediatamente procurar a desorganização.
A ideia da censura é a iniciativa medrosa da possibilidade da verdade.
O censor que desconhece a verdade a teme e aplica o orbitrio com o sentimento de covardia.
Este processo jámais devolveu sucesso ao seus autores, mas teve o condão de produzir medo e o brotar dos principais sentimentos do pior na natureza humana: ganância cobiça, inveja, roubos e denúncias, mentiras e acima de tudo a hipocrisia e o cinismo
Estou descobrindo que o PT agora é o centro, já que só existe a extrema direita, a direita ( ex-centrão ) e maravilhoso partido do centro, o PT.