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Agências de checagem x notas da comunidade: o que a ciência nos diz?

A Meta acaba de jogar uma verdadeira bomba na discussão sobre desinformação nas redes sociais. Ao abandonar as agências de checagem de fatos e adotar o modelo das Notas da Comunidade, Mark Zuckerberg afirma que está promovendo mais liberdade de expressão e confiança entre os usuários. Dantas vai além e diz que Zuck fez, na verdade, uma grande delação .

Contudo, agora com a adrenalina mais baixa após o anúncio, você já parou para pensar racionalmente, com base em dados, se essa decisão é um avanço no combate à desinformação ou um convite para o caos informacional?

Enquanto uns celebram o fim do “monopólio enviesado” das agências de fact-checking, outros temem que as Notas da Comunidade abram as portas para a disseminação de fake news.

As Notas da Comunidade são uma funcionalidade que permite que os usuários adicionem correções e contexto a postagens enganosas, democratizando a moderação de conteúdo. A ideia, adotada inicialmente pelo Twitter (atual X), mostrou resultados promissores. Estudos recentes indicam que esse modelo reduz a disseminação de fake news de maneira mais eficaz e com menos vieses do que as agências de fact-checking tradicionais.

E você, o que acha? A ciência e a análise de dados recentes mostram que essa abordagem colaborativa pode ser muito mais eficaz do que se imagina; ou será que estamos diante de uma aposta arriscada demais? Convido você a entender melhor, de forma crítica, e com base em dados. Vamos nessa?

Resultados promissores sobre o uso de Notas da Comunidade

Ontem eu tive a curiosidade de buscar pesquisas sobre a eficácia das Notas da Comunidade. Como é um assunto que não se fala todos os dias, eu não conhecia bem os dados, portanto busquei o “consenso” das pesquisas usando a ferramenta Consensus do ChatGPT, para iniciar os trabalhos e encontrei alguns resultados bastante interessantes:

  1. Redução da disseminação de desinformação
    Um estudo com 237.677 casos fact-checkados pelo sistema do X revelou que as Notas da Comunidade reduziram, em média, 62% a propagação de postagens enganosas (Chuai et al., 2024). Esse número supera os resultados de sistemas tradicionais de checagem de fatos. Isso ocorre porque quando uma pessoa vê uma publicação que tem uma Nota da Comunidade dizendo que aquilo não é bem verdade, ela é menos propensa a compartilhar o conteúdo.
  2. Maior probabilidade de exclusão de postagens falsas
    Além de conter a disseminação, usuários expostos às Notas da Comunidade aumentaram em 103% a probabilidade de excluir postagens enganosas após serem corrigidos (Chuai et al., 2024). Imagina a vergonha de tomar uma Nota da Comunidade dizendo que você está mentindo? Eu acho que apagaria a publicação na hora; e você?
  3. Aumento na confiança do público
    Estudos também apontam que as Notas, ao fornecerem explicações contextuais detalhadas, são percebidas como mais confiáveis e menos enviesadas que alertas simples ou checagens por agências terceirizadas (Drolsbach et al., 2024). Essa é uma das coisas que eu mais gosto nas Notas da Comunidade. Às vezes a publicação não é falsa de fato, mas pode ser sensacionalista ou descontextualizada. Quando eu vejo algo que parece interessante, mas tem uma Nota explicando o contexto, me sinto mais seguro com relação àquela informação.

 

Exemplos de Notas da Comunidade

Abaixo é possível verificar alguns exemplos do uso de Notas da Comunidade, para que você entenda melhor o seu funcionamento:

 

Nota da Comunidade para Gleisi Hoffmann, sobre o Copom     

Limites e potenciais das agências de fact-checking

Embora potencialmente importantes, as agências de fact-checking enfrentam críticas por seus vieses políticos e limitações metodológicas; e também não podem monopolizar a verdade. Algumas das pesquisas que encontrei apresentaram resultados interessantes e assustadores:

  • Viés ideológico na seleção de conteúdos: o viés ideológico influencia quais notícias são verificadas, com maior atenção a fontes que discordam do posicionamento predominante da agência (Babaei et al., 2019);
  • Confiança pública comprometida: em contextos polarizados, a politização no processo de checagem pode comprometer a confiança dos usuários das redes sociais, dificultando a aceitação das correções (Lim, 2018);
  • Desafios na avaliação da ambiguidade: muitas vezes, declarações avaliadas pelas agências possuem ambiguidade proposital, dificultando a categorização como “verdadeiro” ou “falso” e abrindo espaço para interpretações conflitantes (Lim, 2018);
  • Desempenho inconsistente entre agências: as taxas de concordância entre verificadores diferentes podem ser surpreendentemente baixas, evidenciando que a confiabilidade desses sistemas varia dependendo da abordagem utilizada (Lim, 2018);
  • Efeitos colaterais na confiança geral: correções feitas por agências podem não apenas corrigir percepções, mas também diminuir a confiança nas próprias mídias que publicam as informações, especialmente quando são percebidas como enviesadas (Boehmann & Valenzuela, 2023); e
  • Problemas com a priorização de checagem: em protestos e movimentos polarizados, como observado no caso de Hong Kong, as agências podem favorecer narrativas alinhadas com determinados grupos, negligenciando outras (Feng et al., 2021).

A Meta reconheceu esses desafios, afirmando que “os verificadores de fatos têm sido muito parciais politicamente e destruíram mais confiança do que construíram“, segundo Mark Zuckerberg em seu anúncio feito ontem.

 

Como a adoção das Notas da Comunidade favorecerá a liberdade de expressão?

O modelo das Notas da Comunidade representa uma abordagem alternativa, que prioriza a informação em vez da censura, como pudemos perceber na análise dos dados das pesquisas científicas. Como apontado por Zuck, a decisão de substituir os verificadores terceirizados busca reduzir a interferência em discussões legítimas e promover um ambiente mais democrático.

Em cenários de ambientes mais colaborativos, as intervenções são mais eficazes quando envolvem o público de forma transparente e participativa, com parece ser o caso da adoção das Notas da Comunidade (Draws et al., 2022).

A adoção desse modelo pela Meta pode revolucionar o combate à desinformação em escala global. Com o alcance gigantesco das plataformas da empresa, as Notas da Comunidade podem se tornar um recurso fundamental para educar usuários e mitigar a disseminação de conteúdos enganosos, fortalecendo a confiança nas redes sociais.

Acredito que a Meta deu um passo importante para equilibrar liberdade de expressão e responsabilidade informacional. Desinformação e combate com informação e não com censura. Eu já tive conteúdo censurado, conta bloqueada, redução de alcance nas publicações etc. Isso é horrível! Até tenho receio de usar determinadas palavras nas minhas publicações porque sei que filtros automatizados são ruins (sou pesquisador quantitativo, então sei bem do que estou falando).

Se você é religioso, todos os dias ao acordar agradeça a Deus por termos redes sociais livres e com Notas da Comunidade!

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Para ver outras Notas da Comunidade, recomendo que siga a conta do Twitter @NotasUteis.

 

Referências

  • Babaei, M., Chakraborty, A., & Kulshrestha, J. (2019). Analyzing Biases in Perception of Truth in News Stories and Their Implications for Fact Checking. IEEE Transactions on Computational Social Systems.
  • Boehmann, L., & Valenzuela, S. (2023). Studying the Downstream Effects of Fact-Checking on Social Media: Experiments on Correction Formats, Belief Accuracy, and Media Trust. Social Media + Society.
  • Chuai, Y., Pilarski, M., & Renault, T. (2024). Community-based fact-checking reduces the spread of misleading posts on social media. ArXiv.
  • Draws, T., La Barbera, D., & Sperano, M. (2022). The Effects of Crowd Worker Biases in Fact-Checking Tasks. Proceedings of the ACM Conference on Fairness, Accountability, and Transparency.
  • Drolsbach, C., Solovev, K., & Pröllochs, N. (2024). Community notes increase trust in fact-checking on social media. PNAS Nexus.
  • Feng, M., Tang, N. L., & Lee, F. L. (2021). Fact-Checking as Mobilization and Counter-Mobilization: The Case of the Anti-Extradition Bill Movement in Hong Kong. Journalism Studies.
  • Lim, C. (2018). Checking how fact-checkers check. Research & Politics.

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Felipe Pontes

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