Artigos Exclusivos

O identitarismo tem oposição no Brasil? STJ implanta regra woke com ativismo judicial

O identitarismo, woke ou política identitária tem enfraquecido lá fora: grandes empresas como Boeing, Walmart, John Deere, Toyota, Harley-Davidson, Jack Daniel’s e até Disney têm recuado de políticas inspiradas nesse movimento.

É uma vertente política interna ao progressismo que quer substituir o tratamento igual perante as regras pelo tratamento especial dispensado a grupos pré-selecionados – Mais Iguais que Os Outros, como resumiu magistralmente George Orwell, e é o título do meu livro sobre o identitarismo, que será lançado em março pela Avis Rara.

Até para alguns analistas progressistas, a reeleição de Trump é um recado final do povo americano: estão cansados disso, é claramente injusto e não tem lugar numa democracia liberal. É o que pensa, por exemplo, a colunista Maureen Dowd, do New York Times. Em um artigo dias após a vitória de Trump, ela escreveu que o Partido Democrata “abraçou uma visão de mundo do politicamente correto extremo, condescendente e canceladora” e apontou para dados do Financial Times que mostraram que os progressistas brancos do país estão mais na extrema esquerda que as minorias que alegam apoiar.

Mas o Brasil sofre da Maldição de Millôr: “Quando uma ideologia fica bem velhinha, vem morar no Brasil”. Também sofre da Maldição de Barroso: “um grau relativamente elevado de protagonismo judicial”.

STJ agora é uma sucursal da militância identitária

Em mais um casamento entre as duas maldições, ontem, a Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça rejeitou uma ação de injúria racial de um homem branco contra um homem negro, com um papo que poderia ter vindo da boca de qualquer militante identitário racialista.

Segundo o portal Metrópoles, o grupo de juízes afirmou na decisão que “O conceito de racismo reverso é rejeitado, pois o racismo é um fenômeno estrutural que historicamente afeta grupos minoritários, não se aplicando a grupos majoritários em posições de poder”.

É importante ir ponto a ponto nesse festival de doutrina ideológica disfarçada de Direito. Para começo de conversa, os únicos que insistem em usar o termo “racismo reverso” ultimamente têm sido os próprios identitários. Em janeiro de 2022, o antropólogo baiano Antonio Risério, maior crítico do identitarismo no Brasil, publicou na Folha de S. Paulo que o identitarismo incentiva o racismo de negros contra brancos. “Todo o mundo sabe que existe racismo branco antipreto. Quanto ao racismo preto antibranco, quase ninguém quer saber”. Ele citou exemplos do fenômeno, como criminosos do Brooklyn que combinaram que só roubariam de mulheres brancas, nunca de negras.

Risério não disse que o segundo tipo de racismo é mais comum que o primeiro, nem negou suas cicatrizes históricas. Tampouco usou o termo “racismo reverso”. Apesar disso, o futuro ministro dos Direitos Humanos de Lula, Silvio Almeida, um adepto inconfesso do identitarismo (e mais tarde demitido por acusações de assédio), respondeu apenas com ataques pessoais e indiretas ao intelectual, alegando que Risério é branco (ele é mestiço) e insinuando que ele usou “racismo reverso”. Como eu disse: apenas os militantes identitários andam usando esse termo, por que ele está na boca de juízes do STJ?

Não há nada de reverso porque o conceito correto de racismo, que ainda está nos dicionários e na nossa lei que criminalizou o racismo em 1989, que trata do erro de ver uma raça como moralmente inferior ou superior a outra, não pré-estabelece qual é a raça do racista ou da vítima de racismo.

É este conceito de racismo que está sob ataque do identitarismo, porque ele contém em si o tratamento igual e a tradição que temos desde os romanos de tipificar o ato ilícito (actus reus) e a má intenção da mente culpada (mens rea), não estabelecendo de antemão quem pode ser perpetrador ou vítima por suas características identitárias. O ativismo judicial que começou em cortes mais baixas e agora chegou ao STJ é um vandalismo anticivilizatório.

São pensadores identitários como Silvio Almeida, Djamila Ribeiro, Robin DiAngelo e Ibram X. Kendi que fazem o vandalismo semântico sobre o conceito de racismo, tentando alterá-lo sub-repticiamente com apelos a supostas teorias sociológicas como a do “racismo estrutural”. Isso é uma inovação que vai contra a mensagem antirracista contida até nas músicas de Bob Marley, além do famoso discurso “Eu tenho um sonho” de Martin Luther King Jr.

Mais uma vez, são esses ideólogos a fonte última dos termos empregados pelo STJ: são deles, e de seus precursores da chamada “teoria crítica da raça”, a ideia de que a noção de poder é um pré-requisito para que alguém seja capaz de cometer o erro moral do racismo, e também é deles a ideia do “racismo estrutural”, além de outros termos como “racismo sistêmico” e “racismo institucional”, que com frequência usam para difamar sociedades inteiras com acusações insustentáveis com evidências.

Além disso, como argumentou o filósofo Thomas Nagel no livro The Last Word, uma área menos fundamental não pode suplantar uma mais fundamental. São noções éticas fundamentais que demonstram que o racismo é imoral, um pré-requisito para a criminalização de seus efeitos. Essa noção ética fundamental está contida na definição clássica de racismo. Teorias sociológicas são menos fundamentais, pressupõem mais coisas que nossas noções éticas fundamentais. Se há conflito, descartamos as teorias sociológicas, não as usamos para reformar nossas definições fundamentais. Quem quer o contrário não tem compromisso com a clareza: é ideólogo.

Como disse Risério: “a visão atualmente dominante, marcada por ignorância e fraudes históricas, quando não pode negar o racismo negro, argumenta que o racismo branco do passado desculpa o racismo preto do presente. Mas o racismo é inaceitável em qualquer circunstância. A universidade e a elite midiática, porém, negaceiam.”

Não deixa de ser irônico que, quando o dicionário Houaiss diz que racismo é “conjunto de teorias e crenças que estabelecem uma hierarquia entre as raças e entre as etnias”, e o STJ alega que “brancos” podem ser tratados com menor prioridade moral ao se considerar se houve injúria racial contra algum deles, a consequência disso é que o STJ está criando uma hierarquia entre as raças, já que uma é mais digna de reclamação que a outra, logo, está sendo racista.

Como dito, não é possível que o STJ tenha tomado essa decisão com base na lei, porque a lei não endossa isso, nem usa os termos dos identitários ou seu conceito novo de racismo. A turma de juízes informa que se embasou no “Protocolo de Julgamento com Perspectiva Racial do Conselho Nacional de Justiça”. Ou seja, um documento emitido por um órgão do Judiciário que não recebeu nenhum voto para representar a população e criar leis.

É assim que o identitarismo ganha: não no voto, mas por infiltração em instituições e burocracias. Há uma década avançando quase sem oposição fora de bravatas de redes sociais, a ideologia já bem velhinha vai ganhando sua aposentadoria luxuosa no Brasil, graças ao ativismo judicial profundamente antidemocrático.

Um experimento mental

Moshe Ridler era um cidadão de Israel que foi assassinado pelo Hamas no ataque terrorista de 7 de outubro de 2023, segundo o NYT. Ele tinha 91 anos. Quando ele tinha 11 anos, escapou de um campo de concentração dos nazistas no leste da Europa.

Imagine que Ridler tenha construído uma história de vida diferente: em vez de constituir família em Israel, ele poderia ter vindo para o Brasil. Esse Moshe paralelo teria aprendido o português e, pela foto, com certeza seria considerado um “branco” no Brasil. Poderia ter sido ele o alvo das palavras intolerantes de um concidadão. Poderia ter sido ele que teria ouvido de seis juízes de uma das maiores cortes do país que é impossível que ele possa ser alvo de racismo.

Então, uma pessoa que escapou do Holocausto, um dos maiores crimes racistas da história, poderia ser vista como impossível de ser alvo de racismo segundo a ressignificação ideológica adotada pelo STJ. A propósito, uma pessoa que aprovaria a redefinição seria o ex-líder do Hamas, Yahya Sinwar, que aproveitou a febre do antirracismo nos EUA em 2021 e disse que “o mesmo tipo de racismo que matou George Floyd está sendo usado em Israel contra os palestinos”.

Esse é o “tipo” de racismo que, segundo essa ressignificação, impede que um grupo possa ser visto como vítima, além de perpetrador. Tornou-se um clichê da extrema esquerda, aliás, alegar que Israel é um Estado de Apartheid e “estruturalmente racista”. A guerra Israel-Hamas é um tema complexo no qual a ressignificação identitária de racismo, mais uma vez, mais atrapalha que ajuda.

Alguém poderia responder que, na lei brasileira, o antissemitismo é um tipo de racismo e Moshe Ridler ainda poderia se defender, se fosse cidadão brasileiro. Mas não se ele fosse insultado pela cor da pele, como foi o caso julgado pelo STJ.

Poderíamos reconstruir esse experimento mental com outro sobrevivente não judeu, mas cigano (romani), outro grupo alvo dos nazistas por causa de sua raça presumida. O próprio Hitler chamou os ciganos de “inimigos do Estado baseado em raça”. Muitos ciganos seriam chamados de brancos se fossem brasileiros. E se repetiria o contrassenso de alvos de racismo em uma tragédia que deu grande força ao tabu contra essa intolerância não podendo ser protegidos com igualdade do racismo no Brasil. Este é o preço de ignorar a lei e adotar dogma de ativistas em seu lugar.

Onde está a oposição ao ativismo judicial e ao identitarismo no Brasil? Quantas outras ideias de ideólogos políticos com opiniões extremas serão implantadas com força de lei no lugar da própria lei? Até quando o silêncio vai permitir o abandono de bases fundamentais da civilização e da democracia liberal como o tratamento igual perante a lei? Até quando o Congresso vai permitir que o CNJ, o STJ e o STF usurpem de seu papel e criem leis?

Compartilhar nas redes sociais

Eli Vieira

Eli Vieira

Uma resposta

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Leia mais

img_0921-1
img_0914-1
img_0912-1
Lula-e-Janja-e1731027486455
Lula-e-Janja-e1731027486455
img_0911-1
IMG_0909
Place flying in sunset sky
WhatsApp Image 2025-02-05 at 17.43
Barricada Favela
WhatsApp Image 2025-02-05 at 16.20
img_0855-1
WhatsApp Image 2025-02-04 at 14.15