O Partido dos Trabalhadores, que completará 45 anos em fevereiro, está trocando de presidente. Sai a deputada paranaense Gleisi Hoffmann, que deve ocupar uma vaga na Secretaria Geral de Lula, e deve ser eleito Edinho Silva sem chapa contrária em julho.
Edinho Silva começou a carreira política como vereador de Araraquara (SP), teve um mandato de deputado estadual e uma passagem de 14 meses pela Secom do segundo mandato de Dilma Rousseff. Mas sua experiência mais longa foi como prefeito do município paulista por dois mandatos.
Araraquara, que tem mais de 250 mil habitantes, foi elevada a tema de discussão nacional por causa da gestão de Edinho Silva durante a pandemia: foram lá que aconteceram os lockdowns mais draconianos do país.
O primeiro lockdown durou de 21 a 27 de fevereiro de 2021. Começou ao meio-dia de um domingo, fechando todo o comércio e até proibindo circulação de carros e ônibus nas ruas. Inicialmente planejado para 60h de duração, foi prolongado com mais um decreto na terça daquela semana, se encerrando quase uma semana depois, às 6h do sábado.
O Executivo municipal ordenou rondas das ruas por funcionários, prometendo multar em até R$ 6 mil quem fosse pego circulando em espaço público sem “prova de necessidade”. “Famílias estão chorando a morte de seus entes, podemos juntos tirar Araraquara dessa situação”, disse na época Edinho Silva. Na cidade, seis pessoas haviam morrido de covid no dia anterior ao lockdown, 177 ao todo em um ano de pandemia.
A prefeitura do petista acionou o Exército para ajudar na “descontaminação” da cidade. O que isso significava era, entre outras medidas, o uso de uma solução à base de cloro para sanitizar superfícies. Antes da medida, contudo, a futilidade da desinfecção de superfícies e a importância da transmissão pelo ar estavam já tinham ficado suficientemente claras.
Em julho de 2020, uma carta aberta de cientistas pedia que a Organização Mundial da Saúde reconhecesse a transmissão pelo ar. Uma das consequências dessa transmissão é que os espaços fechados, nas quais os cidadãos foram forçados a ficar, tinham maior risco de transmissão que os espaços abertos, em que o ar é renovado com mais intensidade. No começo do mês do primeiro lockdown, já circulava na imprensa a informação de que as superfícies não eram uma forma comum de transmissão do SARS-CoV-2. Mas a administração de Silva continuou insistindo na tese da contaminação por superfícies até 2022.
Apesar disso, a prefeitura petista preferiu fazer uma leitura seletiva de informações e respondeu à reclamação dos supermercados, obrigados por decreto à tarefa impossível de atender a um aumento de 1.000% na demanda por entregas (pois os consumidores estavam proibidos de sair para comprar comida), que o lockdown era a “única saída apontada pela ciência”. O Ministério Público abriu uma investigação do fechamento dos supermercados, mas contra os empresários, não contra a prefeitura.
No dia 25, empresários tentaram fazer uma carreata em protesto contra o fechamento do comércio. A resposta da prefeitura foi acionar a Polícia Militar e a Guarda Civil Municipal, que prontamente interromperam a manifestação. Os manifestantes, cerca de 100 pessoas, tinham faixas com frases como “eu não quero trabalhar, eu preciso”.
O secretário de Segurança Pública da Araraquara na época, João Alberto Nogueira, recebeu um documento com reivindicações dos manifestantes à porta da prefeitura, mas disse que “as pessoas autuadas terão dez dias para apresentarem uma justificativa com a necessária comprovação”. Mais uma vez, a prefeitura alegou que o lockdown era “a única saída apontada pela ciência”.
O segundo lockdown de Edinho Silva foi em junho de 2021, após estabelecer regras que previam lockdowns repetidos no mês anterior. Araraquara agora estava sozinha: naquele ano, 53 municípios haviam feito lockdown, mas as medidas foram em fevereiro em março, outras em abril e maio. Só Araraquara em junho.
A truculência da administração petista de Araraquara não se fez presente só durante os lockdowns, contudo. Em 13 de abril de 2020, a empresária Silvana Tavares Zavatti foi filmada na Praça dos Advogados, quando foi abordada por guardas municipais. Os guardas lhe deram voz de prisão por descumprir outro decreto municipal que proibia acesso às praças. Ela se recusou a ser levada e acusou a prefeitura de querer “implantar uma ditadura comunista”. Ela ganhou um mata-leão dos guardas, gritou “ai, meu pescoço, está me enforcando!” e “puxa-saco do PT, dos comunistas!”
A prefeitura foi condenada a pagar uma indenização de R$ 10 mil à cidadã em fevereiro de 2022. Em sua sentença, o juiz Guilherme Zuliani condenou apenas o município, não Edinho Silva, obrigando a parte autora a pagar 10% dos honorários da defesa. O município, mas não o prefeito, foi considerado culpado por abuso de poder.
Um epidemiologista da UFSCar fez um estudo sobre o primeiro lockdown de Araraquara, publicado durante o segundo, alegando que a medida teria salvado 259 vidas. Grandes jornais deram muita atenção ao estudo.
Mas as revisões científicas não apoiam essa conclusão. Um estudo de junho de 2020, de cientistas italianos que incluíram em sua análise 202 países, 100 deles com implementação do lockdown, concluiu que na Europa houve uma relação positiva entre lockdown e casos de covid: mais confinamento, mais casos, como é de se esperar pela transmissão pelo ar. Em abril de 2022, três economistas americanos publicaram uma comparação das políticas de lockdown nos 50 estados do país. Um dos resultados foi que os custos impostos pelos lockdowns não se correlacionaram com resultados melhores em saúde, inclusive a menor mortalidade.
Finalmente, uma grande revisão de dados de um think tank britânico em 2023 concluiu que os lockdowns foram um “fracasso de proporções gigantescas”. Foram considerados quase 20 mil estudos do tema.
A imprensa foi dura contra a Suécia, que não fez lockdowns. No fim, a Suécia teve uma das menores taxas de mortalidade do mundo.
(Crédito da Foto: Elza Fiúza/Agência Brasil)