Erika Hilton propõe uma emenda constitucional para reduzir de 40h para 36h a jornada semanal de trabalho, com a sugestão de 4 dias de trabalho e 3 de folga. De cara, percebo que a conta não fecha: uma jornada de 8 horas em 4 dias resulta em 32 horas. O contrário, significa 4 dias e meio, o que não faz qualquer sentido. Posso supor, por uma conta básica, que uma jornada de 36 horas em 4 dias renderia um dia de trabalho com 9 horas. Quem tem filho na escola ou atividade extra, como academia ou faculdade, terá de dificuldade de acertar a agenda diária — Erika pode tentar resolver a questão com outra PEC, alterando a duração do dia, de 24h para 25h ou mais?!
Meu amigo Ary Alcântara, muito bem alfabetizado em português e matemática, alerta para outras contas que não fecham. Segundo ele, a mudança resultará num aumentando do custo linear de mão de obra em 22%. “O Brasil já é campeão de custos indiretos no preço do trabalho, com impostos, férias, 13o etc. Vamos tirar mais ainda a competitividade do produto brasileiro e ainda aumentar o trabalho informal, eliminando empregos e, obviamente, subindo o preço dos produtos e serviços”, diz.
Segundo ele, “o Brasil não precisa de inimigos externos”. “Já os têm no Congresso.” É de questionar, sem dúvida, o objetivo real da PEC proposta pela deputada. Talvez, seja apenas uma sacada populista para melhorar o filme do PSOL junto ao trabalhador, diante do resultado pífio das eleições municipais e do recado dado pela vitória de Donald Trump nos EUA.
Erika diz que há um clamor popular pela redução a jornada, referindo-se a uma petição online aberta por Ricardo Azevedo, ex-balconista de farmácia que resolveu mudar de vida gravando vídeos para o TikTok e acabou eleito vereador. Certamente, conseguiu mudar sua própria vida. A petição de Azevedo, turbinada pela militância psolista, já tem 1,6 milhão de assinaturas. Clamor por clamor, a petição pelo impeachment de Alexandre de Moraes tem mais de 2 milhões!
Mas, segundo a parlamentar, “a alteração proposta à Constituição Federal reflete um movimento global em direção a modelos de trabalho mais flexíveis aos trabalhadores, reconhecendo a necessidade de adaptação às novas realidades do mercado de trabalho e às demandas por melhor qualidade de vida dos trabalhadores e de seus familiares”. Deve ser constrangedor tentar justificar a flexibilização impondo, via alteração constitucional, um novo modelo de contratação a todo o mercado.
Mais constrangedor é a justificativa, apresentada na PEC, de que os empregadores malvadões resistem às mudanças pois se utilizam do tempo livre conquistado pelos trabalhadores no cumprimento de um expediente ainda maior, pelo qual pagam “horas extras e banco de horas”.
Para fechar com chave de ouro o raciocínio, Erika cita um programa piloto implementado no Brasil pelas ONGs Reconnect Happiness at Work e 4 Day Week Global. Segundo diz, “cerca de 22 empresas com até 250 colaboradores aderiram à iniciativa, em que os resultados do projeto no país, apresentam projeções importantes para a transição das jornadas de trabalho para o modelo de 4 dias, em que é possível observar menor número de faltas dos empregados e produtividade em alta, em razão da adoção de estratégias de organizações funcionais para o modelo da empresa”.
Eu tive a curiosidade de buscar o estudo e descobri que os resultados são baseados em depoimentos dos próprios funcionários, que “classificaram seu nível de produtividade em 8,4 e seu nível de engajamento em 8,5 em uma escala de 1 a 10″. “O comprometimento com a empresa foi classificado em 9,2, refletindo um alto nível de lealdade e dedicação. O nível de bem-estar foi classificado em 8,4 e a satisfação no trabalho em 8,5, indicando uma melhoria significativa no ambiente de trabalho”, dizem.
As ONGs, diga-se, são mais cautelosas do que Erika ao interpretar os dados. “A análise dos dados de receita e lucro mostrou uma tendência positiva, embora seja importante reconhecer que esses resultados não podem ser atribuídos exclusivamente à semana de 4 dias. A melhoria no desempenho financeiro pode ser influenciada por vários fatores e, portanto, deve ser interpretada com cautela.” Por fim, os próprios pesquisadores sugerem a realização de um novo estudo, com a participação de mais empresas, para se chegar a conclusões mais claras. Dizem também que “a diversidade nas decisões reflete uma abordagem adaptativa e a busca por soluções personalizadas que atendam aos diversos contextos das empresas participantes”.
Ah, eu quase ia me esquecendo! As ONGs cobram uma pequena taxa para implementar o projeto. De fato, um o negócio da redução da jornada de trabalho tem enorme potencial com sua implementação obrigatória num país com 100 milhões de trabalhadores.