O caso de venda de sentenças no Mato Grosso do Sul, que resultou dias atrás no afastamento de cinco desembargadores; as suspeitas envolvendo assessores de meia dúzia de ministros (e eles próprios) do Superior Tribunal de Justiça, assim como os casos de corrupção que vieram à tona nos últimos tempos sobre desembargadores de Tocantins e Bahia, sugerem prima facie o sucateamento moral de boa parte do Judiciário, mas também a ausência de controles adequados para impedir que a Justiça brasileira e seus agentes sejam capturados por grupos de poder.
Será que chegaríamos a essa situação se a Receita Federal ainda pudesse fiscalizar as chamadas Pessoas Politicamente Expostas?
Em 2019, Gilmar Mendes desmantelou a força-tarefa especializada em investigar autoridades depois que o grupo identificou inconsistências patrimoniais e financeiras envolvendo ao menos 133 autoridades de alto escalão, entre ministros do STF, do STJ e do TCU, inclusive o próprio Gilmar e a mulher, Guiomar; seu colega Dias Toffoli e a esposa Roberta Rangel, além da ministra Isabel Galotti, citada agora na investigação sobre o celular do advogado Roberto Zampieri.
Na ocasião, a Receita explicou que a lista prévia sugeria análises mais detidas, mas que “nem todas as situações poderiam resultar na abertura de procedimento de fiscalização”.
O caso veio à tona após reportagem da revista Veja, de fevereiro de 2019. O inquérito das fake news foi aberto um mês depois por Dias Toffoli, a pedido de Gilmar Mendes, e usado por Alexandre de Moraes para suspender a investigação fiscal e afastar os auditores envolvidos. A Unafisco protestou por meio de nota, acusando Moraes de pressão indevida sobre o órgão, o que violaria o artigo 36 da Convenção das Nações Unidas Contra a Corrupção.
“O Ilustre Ministro parece entender que os membros do STF e seus familiares são parte de uma lista VIP de contribuintes não fiscalizáveis, quando, ao contrário, numa visão mais republicana da questão, devem ser objeto de maior rigor fiscalizatório”, afirmou a associação de auditores. A queixa, porém, caiu no vazio. Acionado pelo STF, Bruno Dantas colocou o TCU no pé da Receita para constranger os servidores. Meses depois, porém, a análise técnica do tribunal concluiu não ter havido ilegalidade no procedimento do órgão.
Todo o episódio exerceu um efeito inibidor sobre as investigações da Receita Federal contra PPEs. A Equipe Especial de Programação de Combate a Fraudes (EPP Fraude), criada para investigar autoridades, acabou sendo desmantelada, limitando a capacidade da Receita de fiscalizar efetivamente pessoas em posições de poder. Para agravar a situação, o STF tomou uma decisão, no ano passado, que mudou a Constituição e passou a permitir que magistrados julguem casos envolvendo clientes de escritórios de advocacia de seus familiares.
Na investigação do Mato Grosso do Sul, os desembargadores foram afastados por suspeita de venda de sentenças em um esquema que envolvia justamente escritórios de advocacia de filhos, o que ilustra o risco dessa flexibilização. Se a Receita Federal tivesse independência para investigar movimentações financeiras suspeitas de autoridades, talvez esse tipo de problema pudesse ter sido detectado e combatido mais cedo. Impedir que o Fisco fiscalize PPEs propicia a proliferação de esquemas semelhantes.
É preciso proteger o Judiciário dele mesmo.
Respostas de 2
Análise perfeita! Foi isso mesmo que aconteceu!
Análise perfeita, também, sobre as consequências!
Muito relevante tal notícia, comentário, meus parabéns!!!