Em maio de 2019, eu, David Ágape e três colaboradores publicamos o resultado de uma investigação sobre as estatísticas anuais de mortes por homofobia do Grupo Gay da Bahia (GGB), que foram usadas até pela ONU e o New York Times para acusar o Brasil de ser o pior lugar do mundo para LGBT.
Nossos resultados foram humilhantes para a ONG: após checarmos 347 mortes de LGBT em 2016 coletadas pelo GGB em notícias, só confirmamos que 9% eram de fato mortes motivadas pelo preconceito anti-LGBT. Com a exclusão de casos não localizados e suicídios, foram somente 12% de confirmações de assassinatos por homofobia.
Ágape mostrou nosso texto para Pedro Bial e ele comentou “isso é que é jornalismo”. A reação de boa parte do resto da imprensa foi mais fria, com honrosas exceções como Gazeta do Povo e Guia Gay São Paulo.
O fundador do GGB, o historiador baiano Luiz Mott, que antes me elogiava, acusou-me de “homofobia internalizada” — também fui citado em trabalhos acadêmicos que fizeram ataques pessoais similares, o que depõe mais sobre o estado da academia.
O Supremo Tribunal Federal ignorou nossa checagem e usou a exata estatística que mostramos que era falsa em seu ativismo judicial que criminalizou a homofobia.
Se antes os dados eram abertos e checáveis, tudo mudou depois da nossa checagem. O GGB, e outras ONGs que produzem “estatísticas” similares, como Antra e o Observatório de mortes e Violências LGBTI+ no Brasil, adotaram a falta de transparência e passaram a colocar diversos empecilhos para compartilhar dados — uma faceta de sua atitude anticientífica.
E a imprensa? Mais de meia década depois, continua a tratar com subserviência — para não dizer atitude propagandística — a fonte que mostramos que não é confiável.
Mais de cinco anos depois, ausência de rigor continua a mesma
Alguém poderia dizer que nossa checagem se limitou ao relatório de 2016, que talvez o rigor das ONGs LGBT tenha melhorado desde então. Tenho más notícias.
Em 2021, mostrei junto com minha falecida amiga transexual Ágata Cahill que a ONG Antra, focada no grupo trans, infla o número de “transgêneros” na população em quase quatro vezes, faz a alegação claramente falsa de que o grupo tem uma “expectativa de vida de 35 anos” e, ao alegar que o Brasil é o maior assassino de trans no mundo, compara supostas mais de mil mortes de trans por preconceito no país com apenas três relatadas pelo Iraque e apenas duas relatadas pela Arábia Saudita. Se for para acreditar em estatísticas de Estados falidos e ditaduras teocráticas, realmente as democracias do mundo, mais honestas com seus números, devem ser o inferno na Terra.
Em 2022, notei que o grupo de ONGs do “Observatório”, apesar de continuar ocultando os dados, usou dois casos no corpo do texto de seu relatório de mortes por preconceito entre os LGBT. Mostrei que os dois casos eram incertos quanto à motivação preconceituosa por trás da morte. Um deles era um suicídio e uma reportagem local deu uma explicação alternativa para a tragédia que não envolvia preconceito diretamente.
Nessas ocasiões, fiz minha diligência jornalística de pedir (encarecidamente) que as ONGs me dessem os dados para checar. Todas me ignoraram.
Imprensa progressista quer censurar desinformação, mas repete desinformação de ONGs LGBT há décadas
Há um ano, quando a imprensa progressista, apesar de sua adesão hipócrita a projetos de lei de censura contra “desinformação” e “fake news”, mais uma vez embarcou em uma rodada de “desinformação permitida” das ONGs LGBT, resolvi tabular todos os veículos que repetiram a estatística do Grupo Gay da Bahia.
Encontrei 20 veículos de comunicação que replicaram em janeiro de 2024 que “257 mortes de LGBTQIA+” teriam acontecido no Brasil em 2023 em função da intolerância preconceituosa. Li toda a cobertura, reportagem a reportagem. Coloquei na minha planilha duas perguntas sobre os textos. Algum vocabulário de cautela ou dúvida? A resposta foi não, para todos os veículos. Algum vocabulário que é jargão de ativista? A resposta foi sim, para todos.
Que vocabulário? De repetir a sigla quilométrica acima, que até gays como eu criticam, até a exata expressão de acusação contra o Brasil, “país mais homotransfóbico do mundo”. O Jornal Hoje, da Globo, chegou a ajudar a imagem da ONG incluindo uma marca de suposta autoridade na reportagem: “a mais antiga Organização Não Governamental LGBT da América Latina”. Também entrevistou Mott.
Outros dos mais influentes entre os 20 veículos que fizeram propaganda para a ONG: Agência Brasil (que é estatal), CBN Caruaru, Correio 24 Horas, Poder 360, G1 Bahia, Correio Braziliense, Bem Paraná e Agência AIDS.
Estamos em 2025. Meus seguidores vêm me marcar no X na nova leva de mentiras propagandísticas de uma imprensa que já sabemos que tem enorme predominância de viés progressista. Mais uma vez, o G1 Bahia publica, com a sopa de letrinhas ganhando ainda mais letras, que “Cresce número de mortes violentas de pessoas LGBTQIAPN+ no Brasil, aponta levantamento”. A chamada deixa claro que levantamento é esse: “Segundo o Observatório do Grupo Gay da Bahia, foram 291 homicídios e suicídios em 2024, 34 a mais que no ano anterior. SP, BA e MT lideram ranking e Salvador é a capital mais perigosa”.
Isso não é jornalismo. Isso é uma ONG ter acesso a uma redação de um dos veículos de comunicação mais influentes do país para fazer propaganda ideológica e insultos à ciência — qualquer cientista bem formado saberá detectar uma amostra enviesada, baseada em clipagem de notícias muitas vezes mal lidas. Uma amostra de péssima qualidade que não permite comparação entre anos, então é completamente sem significado a alegação de que houve algo “a mais” ou “a menos” que no ano anterior, muito menos para elogiar ou criticar o governo por isso. Há outras perdas de tempo com a péssima amostra, como um ranking de estados. Tudo sem significado estatístico, científico, ou do puro bom senso.
O G1 ao menos fez o serviço de citar um dos casos de suposta morte por preconceito e poupar meu trabalho: “A motivação do assassinato seria vingança”. Obrigado, G1. Depois de quase seis anos em um deserto de mentiras, hipocrisias e propaganda escancarada, fico muito feliz por ver uma migalha de vocabulário mais cuidadoso. O melhor seria parar com a fake news anual.
Talvez a festa da estatística falsa anual aconteça na imprensa por um bom motivo: não tem espaço nos periódicos científicos internacionais mais respeitados. Pois entre eles há publicações como um artigo de 2018 do economista Erick Lamontagne, membro sênior do Programa Conjunto das Nações Unidas de HIV/AIDS (UNAIDS). Ele mostrou que, entre países de renda média ou baixa, o Brasil é o segundo mais tolerante do mundo no tema LGBT — entre todos os 158 países analisados, está na 20ª melhor posição. Mais coerente com a realidade, Lamontagne mostrou que os países lanterninhas do ranking da intolerância são Afeganistão e Arábia Saudita. Isso definitivamente não casa com a narrativa das ONGs e da imprensa crédula e colaboracionista.