Artigos Exclusivos

Decisão Judicial que Suspendeu Ordem Executiva de Trump sobre Cidadania por Nascimento: A Influência Originalista

Embora a decisão em questão não adote uma abordagem explicitamente Originalista, ela se fundamenta em um precedente que demonstra influência significativa do Originalismo, especialmente na perspectiva defendida por Randy Barnett em Restoring the Lost Constitution. O precedente United States v. Wong Kim Ark (1898), base para a análise da Cláusula de Cidadania da 14ª Emenda, exemplifica o foco no significado textual e no contexto histórico da emenda.

Na época do precedente, aplicar e respeitar o texto da lei era uma prática comum e amplamente aceita, que não demandava uma denominação específica. Era simplesmente o bom e velho respeito ao texto legal. O termo “Originalismo” surgiu apenas mais tarde – curiosamente, em um artigo crítico de Paul Brest intitulado “The Misconceived Quest for Original Understanding”, escrito como uma crítica ao pensamento de Robert Bork na época. Nesse artigo, Brest buscava nomear e criticar essa abordagem. O que hoje chamamos de Originalismo nada mais era do que a aplicação direta e usual do texto legal e constitucional, sem os desvios interpretativos que se tornariam mais comuns em períodos de maior ativismo judicial.

Pois bem. A decisão em Wong Kim Ark buscou interpretar a Cláusula de Cidadania com base no texto constitucional e no contexto histórico do pós-Guerra Civil, em que a 14ª Emenda foi concebida para proteger direitos fundamentais, incluindo a cidadania ampla e incondicional a indivíduos nascidos sob a jurisdição dos Estados Unidos. Esse enfoque, que considera o texto como juridicamente vinculante e examina o propósito da emenda em seu momento de criação, está em sintonia com a visão de Barnett sobre como restaurar o significado perdido da Constituição.

Barnett argumenta que a interpretação constitucional deve ser fiel ao texto e à intenção original, mas sem desconsiderar os direitos fundamentais que o texto foi concebido para proteger. Wong Kim Ark, ao se apoiar no significado ordinário da 14ª Emenda no contexto histórico de sua adoção, reforça essa ideia ao demonstrar que o texto deve ser interpretado de forma a preservar os direitos essenciais. Embora o precedente não mencione diretamente os direitos naturais, sua interpretação está alinhada com a noção de que a Constituição visa garantir proteções fundamentais a partir de um compromisso com o significado original das palavras.

A mídia, como destacado por matéria da CNN sobre o caso, ressaltou como a Suprema Corte reafirmou a cidadania por nascimento com base na interpretação histórica da 14ª Emenda e no precedente de Wong Kim Ark. Essa abordagem reafirma o papel do texto constitucional em assegurar direitos fundamentais e estabilidade jurídica frente a mudanças conjunturais. Essa análise reforça a necessidade de utilizar a interpretação original como um baluarte contra o arbítrio e como garantia de previsibilidade constitucional.

No Brasil, o site Migalhas e o Estadão destacaram a suspensão da ordem executiva, ressaltando os efeitos prejudiciais imediatos da medida e a importância do precedente de Wong Kim Ark. Ambas as matérias enfatizam que a 14ª Emenda garante claramente a cidadania a todas as pessoas nascidas nos Estados Unidos, reafirmando o papel do texto constitucional em proteger direitos fundamentais e limitar abusos do Executivo, em linha com os princípios do Originalismo.

Um ponto curioso merece destaque. Alguns professores americanos que se filiam ao Originalismo fizeram postagens divertidas no X (antigo Twitter), ressaltando a ironia de ver defensores da tese da “Living Constitution” (semelhante ao neoconstitucionalismo brasileiro) apelando para argumentos baseados no texto original da Constituição.

David Bernstein, Professor da George Mason University, escreveu: “Em relação à cidadania por direito de nascença e à 14ª Emenda, estou gostando de todas as águias jurídicas progressistas gritando: ‘veja o significado claro do texto; veja o entendimento original; veja quase 160 anos de história e tradição’.” Esse tweet foi repostado por Randy Barnett, Professor da Georgetown University, com o comentário irônico: “Yeah me too” (sim, eu também). Embora isso não signifique que esses professores concordem com a decisão que suspendeu a Ordem Executiva de Trump, as postagens reforçam o ponto central de que o respeito ao texto constitucional pode oferecer um terreno comum para diferentes abordagens interpretativas.

Dito isso, é importante lembrar um ponto essencial do Originalismo – na tese de Randy Barnett: a ideia de que a Constituição é “a lei que governa aqueles que nos governam”. Para que essa premissa central faça sentido, é imprescindível que os intérpretes e julgadores respeitem o sentido original das palavras constantes no texto constitucional.

Ignorar o significado original – como almejam os teóricos da Living Constitution e do nosso neoconstitucionalismo – mina a autoridade da Constituição como documento que limita o poder estatal e protege os direitos fundamentais, transformando-a em uma ferramenta moldada ao sabor das conjunturas políticas, e não ao princípio republicano da supremacia da lei.

Nesse sentido, ao menos em princípio, parece que a decisão que suspendeu a Ordem Executiva de Trump, ao recorrer a Wong Kim Ark, indiretamente invoca uma abordagem Originalista que sublinha a importância do texto e do propósito histórico da Constituição. Embora a decisão não tenha se aprofundado diretamente em uma análise Originalista, ela se ancora em um precedente que incorpora princípios fundamentais do Originalismo, ao vincular o significado constitucional original aos direitos que a 14ª Emenda buscava garantir. Essa abordagem, amplamente defendida no contexto norte-americano, também pode inspirar reflexões sobre sua aplicação no Brasil, como explorei em meu artigo que apresenta ideias Originalistas adaptadas à realidade brasileira, ressaltando a importância de preservar os direitos naturais positivados e a limitação do poder estatal em nosso ordenamento jurídico.

Muito bem. Voltando à questão americana, se o caso chegar à Suprema Corte dos EUA (“SCOTUS”), a decisão poderá ser influenciada pela composição atual da Corte. Embora haja uma maioria de juízes considerados Originalistas, como Clarence Thomas, Samuel Alito, Neil Gorsuch, Brett Kavanaugh e Amy Coney Barrett, a interpretação Originalista não garante um resultado unânime. Até porque, alguns poucos Originalistas argumentam que a 14ª Emenda não confere automaticamente cidadania a filhos de estrangeiros em situação irregular, enquanto a maioria defende que ela assegura cidadania a todos nascidos em solo americano, independentemente do status migratório dos pais. Mesmo assim, parece ser mais razoável que os Originalistas da Corte decidam contra a Ordem Executiva.

Além disso, juízes progressistas, como Sonia Sotomayor, Elena Kagan e Ketanji Brown Jackson, podem se opor à ordem executiva, também em razão de questões ideológicas. O Chief Justice John Roberts, conhecido por sua postura conservadora, mas institucionalista, pode desempenhar um papel decisivo, buscando uma solução que preserve a integridade da Corte e respeite precedentes estabelecidos.

Diante dessas complexidades, é desafiador prever o resultado final caso a questão seja submetida à Suprema Corte. A decisão dependerá da interpretação dos textos constitucionais, dos precedentes jurídicos e das perspectivas individuais de cada juiz sobre o alcance da 14ª Emenda em relação à cidadania por nascimento.

Em todo caso, para uma avaliação mais precisa, é necessário observar como o caso será tratado em recurso ao Nono Circuito. O professor Hugh Hewitt, da Chapman University’s Fowler School of Law, argumenta que: “O Nono Circuito quase certamente manterá. A Suprema Corte emitirá a decisão definitiva e o presidente Trump terá feito um favor a todos ao garantir uma lei estabelecida sobre a questão de crianças nascidas de migrantes que entraram no país sem convite.” Por outro lado, Hewitt também destacou que, embora a cidadania por direito de nascença seja o significado público da primeira seção da 14ª Emenda, o caso mais próximo ao que a Ordem Executiva busca fazer é EUA v. Wong Kim Ark de 1898, que não é dispositiva. Segundo ele, precisamos de uma decisão dispositiva – quer resolva definitivamente a questão –, e a esperança é que a Suprema Corte aceite o caso e entregue uma. Vamos aguardar as cenas dos próximos capítulos, esperando para ver se o caso, efetivamente, chega à SCOTUS.

Leonardo Corrêa – Advogado, Sócio de 3C Law | Corrêa & Conforti Advogados, formado pela PUC-Rio, com LL.M pela University of Pennsylvania, um dos Fundadores e Presidente da Lexum

 

Compartilhar nas redes sociais

Leonardo Correa

Leonardo Correa

Uma resposta

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Leia mais

trump
images (23)
4730_cef-jpg
images (22)
images (21)
images (21)
image_processing20230728-27129-cx94zw
1730312128672277c066ada_1730312128_3x2_md
donald-trump-comicio-raleigh-848x477
https__img.migalhas.com.br__SL__gf_base__SL__empresas__SL__MIGA__SL__imagens__SL__2025__SL__01__SL__23__SL__cropped_v2vqd34m.y44.jpg
WhatsApp Image 2025-01-24 at 11.07
snaplytics
images (20)
nikolas-ferreira (1)