Existe uma grande confusão na cabeça do brasileiro quando o assunto é emenda parlamentar, e claro, a imprensa tradicional não ajuda muito. Quem não se lembra do orçamento secreto? Motivo de escândalo no governo anterior e que parece ter acabado com o novo governo.
E se eu te disser que ele não só acabou como aumentou? Mas como tudo no Brasil recebeu uma roupa nova e um nome novo. Nem por isso deixou de ser um dos problemas mais críticos que vivemos hoje no nosso modelo de presidencialismos de coalizão.
Vou tentar te explicar aqui um pouco do “politiques” e “juridiques” por trás do assunto.
Todo ano o Congresso precisa aprovar a LOA – Lei Orçamentária Anual que fixa as despesas do governo federal para o ano seguinte e os parlamentares podem propor emendas parlamentares a LOA.
Nossa Constituição de 1988 trouxe esse instrumento como forma de garantir maior participação do Legislativo na alocação dos gastos públicos. O argumento em defesa das emendas é que permite ao parlamentar alocar um recurso necessário para base dele que o governo federal, distante da realidade da ponta não estaria contemplando. Não é uma jabuticaba brasileira, isso existe no resto mundo.
Então, onde está o erro?
Pois bem, em 2015 a gente mudou a constituição através da EC (Emenda Constitucional) n. 86/2015, para garantir as emendas fossem impositivas e não mais meramente autorizativa, ou seja, o parlamentar indica o destino e o governo federal é obrigado a pagar. As emendas se fortaleceram em 2015, quando ficou claro a fraqueza do governo de Dilma Rousseff e a fome dos congressistas entendeu que seria uma forma mais simples, legalizada e institucional de um novo mensalão.
As emendas não são todas iguais. Até orçamento secreto ser considerado ilegal elas se dividiam assim:
- Emendas individuais (RP-6), a destinação é feita por cada senador ou deputado (são impositivas);
- Emendas de bancada (RP-7), de autoria das bancadas estaduais ou regionais (são impositivas);
- Emendas de comissão (RP-8), de autoria das comissões permanentes de cada uma das casas do Congresso Nacional (não são impositivas e aqui mora boa parte do perigo);
- Emendas de relator (RP-9), de autoria do deputado ou senador escolhido para relatar a LOA (extinta).
Com o fim da emenda de relator, que concentrava não só o poder, mas a falta de transparecia no relator hoje a moeda de troca virou a emenda de comissão.
Hoje, o Congresso que o presidente Lula precisa de cooperação para ver suas políticas implementadas e as emendas caem como uma luva, institucionalizamos e legalizamos a falta de transparência e a perpetuação no poder que os congressistas tanto sonharam.
De fato, tanto o presidente quanto os parlamentares foram eleitos de forma direta pelo povo e a ideia de um sistema de freios e contrapesos e da divisão dos poderes é celebrada. Quem não quer que um poder fiscalize o outro? Mas, a realidade é que esses processos deixou o nosso sistema vulnerável aos piores tipos de barganhas.
Fato é que o montante do quanto a gente paga hoje no Brasil de emenda não se compara com país algum do mundo.
Um estudo do Insper, conduzido por Marcos Mendes e Helio Tollini, mostrou que entre os países da OCDE somos pioneiros, com quase o dobro do gasto da Alemanha que vem em segundo lugar. Em nenhum outro país do mundo, os parlamentares conseguem interferir tanto no orçamento como aqui no Brasil.
Em 2014, antes da Emenda Constitucional, o valor em emendas foi de R$ 6,1 bilhões. Em 2024 , foram inseridos mais de R$ 49,2 bilhões em emendas. Um aumento expressivo. E claro, não falta hoje investigação por suspeita de desvio dessas verbas.
O caminho pela frente.
Recentemente o STF decidiu ser inconstitucional a falta de transparência na destinação dos recursos das emendas de Comissão e deu um prazo para que o Congresso adapte o processo de distribuição dos recursos.
O governo federal numa queda de braço perigosa, lançou uma portaria interministerial liberando os recursos mesmo sem a transferência devida. Uma bela pedalada jurídica que mostra o quão fundo o problema está. O governo precisa aprovar um pífio pacote de ajuste fiscal e sequer tem base para isso sem a liberação das emendas.
As emendas parlamentares viraram uma disputa puramente política para garantir reeleição dos deputados e senadores, porque o dinheiro vai direto para sua base e a sociedade brasileira está refém, com poucas luzes no fim do túnel.
Estamos criando um monstro e dos grandes no Congresso, que vai engessar o executivo muito em breve.