A Agência dos Estados Unidos pelo Desenvolvimento Internacional, USAID, foi estabelecida em 1961 por uma lei de assistência a outros países e uma ordem do presidente John F. Kennedy. Era o auge da Guerra Fria, e os EUA queriam comprar uma parte do mundo para impedir que fosse seduzida pelo comunismo.
Com orçamento anual em torno de US$ 50 bilhões, a agência foi expandindo seu papel e torrando cada vez mais o dinheiro dos cidadãos americanos em causas às vezes justas, às vezes questionáveis. Esse dinheiro, como relatei em reportagem de outubro, vai parar até no grupo de pressão pró-censura Sleeping Giants Brasil, que persegue quem não concorda com o progressismo por aqui, e nas iniciativas antidesinformação do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), especialmente quando ele estava sob a presidência do ministro Alexandre de Moraes.
Naturalmente, a gastança da USAID virou alvo do Departamento de Eficiência Governamental (DOGE), chefiado por Elon Musk no segundo governo Trump. Primeiro, Trump congelou gastos dos EUA com auxílios humanitários.
A ordem foi revista e o secretário de Estado, Marco Rubio, introduziu alguns recuos para continuar o financiamento de programas que de fato salvam vidas em países pobres. Hoje, Rubio anunciou que atuará como diretor interino da USAID enquanto Musk e Trump trabalham para fechar a agência de vez.
A sede da USAID no momento está fechada, seu logo e fotos de seus projetos foram removidos das paredes. A presença da agência nas redes sociais e na página oficial do governo foi severamente reduzida e transferida para a tutela do Departamento de Estado. “É o apocalipse da USAID”, disse um funcionário à CNN.
A agência “tem sido administrada por um bando de lunáticos radicais”, disse Trump, “e vamos tirá-los, depois tomaremos uma decisão” sobre o futuro da USAID.
Funcionários da agência que falaram com a CNN prometeram resistir: “Nós da USAID não vamos deixar esse tipo maligno, com coração de pedra, nos derrotar, remover o império da lei ou acabar com uma longa tradição de compaixão e generosidade do povo americano para aqueles que sofrem em crises humanitárias. Vidas demais dependem disso. Muita coisa está em risco”.
No último fim de semana (1º e 2), dois funcionários da segurança da USAID foram postos em licença compulsória por tentarem recusar acesso do sistema da agência ao DOGE, mesmo quando emissários do DOGE ameaçaram chamar a polícia. A justificativa é que não tinham permissão de segurança para acesso a dados confidenciais. A autorização foi concedida e o DOGE acessou os dados.
A USAID às vezes desrespeita os valores americanos
Que a USAID às vezes trabalha contra os interesses dos americanos é claro se analisarmos alguns dos projetos aos quais ela se dedicou ultimamente.
Os Estados Unidos têm o mais amplo padrão de liberdade de expressão do mundo. Não há crime de injúria racial, por exemplo. E, ao contrário do que se diz por aí, não é proibido sequer gritar “fogo!” em teatro lotado.
Em vez de aplicar seu dinheiro promovendo esse padrão de liberdade ao redor do mundo, a USAID tem aplicado nas novas convicções do progressismo quanto a censurar a “desinformação”.
Basta conferir um manual publicado pela USAID em fevereiro de 2021, o Disinformation Primer. Na página 5, o manual cita o Brasil e diz que o país é um exemplo da “ameaça contra a democracia pela desinformação desenfreada”.
O documento reprova que “no Brasil, planos de dados móveis baratos que só incluem acesso ao WhatsApp e ao Facebook tornam os cidadãos mais propensos a consumir redes sociais em que alegações falsas são ecoadas por fontes indignas de confiança”. Quais seriam as fontes confiáveis? Presume-se, sem medo de errar, que sejam a imprensa tradicional e as agências de checagem.
Pode-se presumir tal conclusão porque o documento da USAID diz que o papel dos veículos de comunicação e mídia seria “colaborar” e “concordar em políticas de silêncio estratégico”, além de “refutar fontes e conteúdo”. A Rede Internacional de Checagem de Fatos (IFCN), montada pelo Instituto Poynter e agregando agências de checagem ao redor do mundo, era praticamente a única infraestrutura na época que lembrasse esses objetivos da USAID.
O manual chega a recomendar agências de checagem específicas como Snopes e PolitiFact. Também conclama os ministérios da Educação pelo mundo a fazerem um “currículo padronizado de alfabetização em notícias”. Foi parte da pressão que fez Mark Zuckerberg gastar rios de dinheiro nas agências de checagem para as redes sociais da Meta, política que ele abandonou no dia 7 de janeiro deste ano, explicitamente porque a reeleição de Trump foi um recado do público que a fórmula da checagem seguida de remoção de conteúdo se esgotou. O próprio Zuckerberg acusou as agências de checagem de piorarem a situação por causa de seu viés político.
O vocabulário do manual da USAID é familiar. É o vocabulário das elites progressistas que, derrotadas pelo que elas chamam de populismo em questões como a saída do Reino Unido da União Europeia e a eleição de Trump em 2016, fabricaram como explicação para suas derrotas a ideia de que esse populismo nacionalista conquista espaço não de uma forma natural para a democracia, em sua previsível alternância de poder, mas de uma forma ilegítima, que seria uma ameaça à democracia.
Qualquer semelhança com a narrativa de que Jair Bolsonaro foi eleito em 2018 por causa de “disparo em massa de mensagens” no WhatsApp e boatos falsos rasteiros sobre mamadeiras eróticas para crianças não é mera coincidência. As elites progressistas são a favor da verdade e do amor, os populistas nacionalistas são a favor do ódio e da mentira — essa é a narrativa implícita e, no mínimo, implausível e cínica.
O que o vocabulário de uma visão política específica está fazendo em um relatório de uma agência humanitária dos Estados Unidos, que deveria ser politicamente neutra? Como eu disse na minha fala em audiência da Câmara no ano passado:
“Senhores parlamentares, em lugar nenhum da lei brasileira está escrito que é crime produzir ou propagar ‘fake news’, ‘desinformação’ ou ‘discurso de ódio’. Esses termos são termos particulares de uma determinada visão política que, não satisfeita que essas expressões não são tipificadas como crimes, planeja usar o aparato burocrático do país para fazer valer sua opinião. Isso, é claro, viola diversos princípios do Estado Democrático de Direito. É a lei que deve mandar, e não a opinião política em voga no momento entre setores influentes da imprensa, da academia e das instituições.”
O que eu disse para o Brasil serve para os EUA. Essa infiltração na burocracia ocorre justamente por causa da derrota nas urnas. Agora, mais uma derrota nas urnas americanas representa uma grande batalha perdida para essa visão política, que será a que mais sofrerá com o fechamento da USAID. A alegação de que os principais afetados serão pessoas pobres, doentes e famintas pode ter seu fundo de verdade (embora Rubio já esteja tomando medidas para amenizar isso), mas é ao mesmo tempo um escudo para proteger a infiltração ideológica nas instituições do Estado.
Em junho do ano passado, conversei com Mike Benz, ex-funcionário do Departamento de Estado no primeiro governo Trump, que tem sido uma presença constante nos tweets de Elon Musk na questão do fechamento da USAID. Benz estava preparando um relatório sobre a atuação da USAID, bem como do Fundo Nacional pela Democracia (NED, que ele alega que é ligado à CIA). O relatório inclui informações sobre o financiamento da censura no Brasil. Ainda não vi o documento, mas Benz afirmou no X que “se não fosse pelo financiamento da censura pela USAID e a rede operacional de censura do NED, ainda haveria uma Internet livre no Brasil, e Jair Bolsonaro ainda seria seu presidente eleito por direito”.
Quem ganha dinheiro da USAID no Brasil
A USAID, junto com organizações privadas como a Open Society de Soros e as fundações Oak e Ford, abastece as ONGs no Brasil. Em 2024, a agência estatal americana deu US$ 680 mil à Cáritas Brasileira para oferecer banheiros com chuveiro, lavanderia e bebedouros a imigrantes venezuelanos na fronteira.
O escritório da USAID no Brasil tem entre 11 e 50 funcionários. Há duas semanas, no LinkedIn, ele informou que no ano passado aplicou recursos em mitigar incêndios florestais, na “inclusão e equidade de gênero no manejo e conservação da biodiversidade”, no “apoio à gestão” de quase sete milhões de hectares de bioma, “fortalecimento” de 51 instituições e treinamento de 2.680 pessoas.
Muito do dinheiro é dado indiretamente por intermediários, então desenterrar a influência completa da USAID dá algum trabalho. É o caso dos mais de 13 mil dólares de 2023 aplicados em parte em um projeto do Sleeping Giants e da organização identitária de jornalismo Alma Preta, que diz que “não acredita na existência de um jornalismo neutro ou imparcial” e promoveu o projeto de lei da censura relatado pelo deputado Orlando Silva (PCdoB-SP). Esses recursos tiveram como intermediário o Centro Internacional de Jornalistas (ICFJ).
O ICFJ também repassou dinheiro para a agência de checagem Lupa, para um projeto que presume que o quebra-quebra do 8 de Janeiro (2023) foi motivado por “publicações falsas”.
Nem todo o dinheiro do governo americano que rega a horta das ONGs no Brasil vem da USAID. O Instituto Vero, do youtuber Felipe Neto, ganhou US$ 30 mil diretamente da Embaixada dos Estados Unidos desde 2023. Agora, a mamata está acabando. Como disse o senador libertário Rand Paul (republicano do Kentucky): “por que os Estados Unidos têm que ser o sugar daddy do mundo?”
Os Estados Unidos são o país mais rico do mundo, com um produto interno bruto por cabeça que deixa até a Europa comendo poeira. Enquanto é louvável que os americanos doem para a caridade em outros países, no longuíssimo prazo essas doações são como enxugar gelo. O resto do mundo precisa descobrir por que os americanos são ricos. A alegação de que são ricos por explorar outros países simplesmente não fecha a conta.
A liberdade econômica é uma das explicações melhores, além da liberdade de expressão e a força de instituições que permitem que o voto faça algo tão extraordinário quanto fechar a USAID depois de 64 anos. Em vez de imitarmos o woke e o besteirol “antidesinformação” que contaminou a USAID, esses outros valores americanos são mais dignos de serem replicados nas outras culturas. Todos os problemas humanitários são mais facilmente tratados quando as pessoas comuns têm mais liberdades e mais dinheiro conquistado por iniciativa própria no bolso.
Respostas de 2
👏👏👏👏👏👏🏊
O fechamento da USAID é uma maravilha, pois essa provavelmente foi a organização que mais promoveu a morte de bebês no mundo, financiando o aborto em quase todas as nações.