Bem-vindo à terceira edição de A Semana na Ciência, onde fazemos um passeio espirituoso, mas informativo, pelo que aconteceu no mundo da investigação empírica nos últimos dias.
O Tubarão de Spielberg era pura verdade, afinal
Se um tubarão tirasse um naco de carne do traseiro de um Joaquim Teixeira que estava só querendo descer para BC (Balneário Camboriú) e curtir uma praiazinha, e o jornal local entrevistasse um biólogo marinho a respeito, ele diria isso:
“É uma tragédia, realmente, mas é bom lembrar que ataques de tubarão acontecem porque eles confundem a gente com suas presas comuns, como as focas, e que os invasores de seu habitat somos nós.”
Pois estaria tudo errado. Na verdade, é uma minoria de tubarões psicopatas que têm uma personalidade mais ousadinha e são comedores reincidentes de gente. Quem está mostrando isso é o veterinário Eric Clua, que trabalha na Polinésia Francesa, com um estudo publicado na revista Conservation Letters.
O artigo de Clua e colegas chama esses tubarões de “indivíduos problemáticos”, parte de um fenômeno mais geral entre predadores que inspirou filmes como Tubarão (1975) e A Sombra e a Escuridão (1996) — este último trata de eventos reais sobre dois leões assassinos que aterrorizaram a construção de uma ponte na África em 1898.
Ataques de tubarões são de fato raros: acontecem cerca de 100 por ano no mundo, resultando em menos de 15 mortes. Compare com os cães, que matam 30 mil pessoas por ano.
O modo como os tubarões individuais reincidentes mordem as pessoas é curioso. Como disse um jovem surfista francês, testemunha da morte de um amigo, ao cientista: “parecia que o tubarão estava brincando com o meu amigo. Ele balançava meu amigo, mordendo-o”. A palavra correta não é brincadeira, mas teste: o comportamento sugere que um predador de comportamento mais ousado que seus pares estava testando uma nova presa.
O artigo traz indícios claros da reincidência: o DNA do mesmo tubarão foi encontrado nas feridas de duas vítimas diferentes. Os dois ataques aconteceram no Caribe, a 80 km um do outro. Outro indício veio de relatos de mergulhadores e capitães da Costa Rica sobre uma fêmea de tubarão-tigre que eles apelidaram de “Lagertha”. Ela não é uma assassina, mas “curiosa”. Outro caso similar envolve um tubarão assassino do Mar Vermelho egípcio — o caso foi documentado com fotos.
Três tubarões não são uma grande amostra, mas, qualitativamente, parece plausível a sugestão de Clua, que os tubarões têm personalidades e os ataques vêm dos tubarões mais “abertos a novas experiências”, como dizemos para um dos cinco principais pontos da personalidade humana. Às vezes, a nova experiência gourmet é você, servido numa prancha.
A explicação para a origem da vida vem aí
Quem já debateu muito com quem não acredita na teoria da evolução, como eu fazia no Orkut, sabe que há uma parcela de criacionistas que até pode dar o braço a torcer que espécies novas aparecem e que a seleção natural pode explicar muita coisa. Mas a origem da vida? Nem pensar, só Deus mesmo na causa.
Bem, não sou imparcial nisso e tenho minhas crenças, mas recomendo cautela contra tentar guardar Deus no que a ciência ainda não explica. É verdade que se a origem da vida fosse fácil, já viveríamos no mundo da série Andor, da franquia Star Wars, com vida surgida em outros planetas circulando entre nós… se bem que eu acho que a cena em que uma peguete do Cassian Andor estava dormindo com um homem-polvo envolvia mais que circular.
Claramente não é fácil surgir vida por meios naturais. Mas parece longe de impossível. Uma amostra obtida de um asteroide fora da Terra, a primeira do tipo coletada pela Nasa, revela que a água que evaporou dali deixou uma sopa em que sais e minerais permitiram que os ingredientes da vida se misturassem e criassem estruturas mais complexas.
Cientistas dos museus de história natural do Smithsonian e de Londres publicaram nas revistas Nature e Nature Astronomy uma análise dessa sopa seca, coletada no asteroide Bennu em 2020 pela missão OSIRIS-REx. Eles concluíram que o asteroide maior do qual o Bennu se destacou se formou há 4,5 bilhões de anos atrás, mesma idade da Terra, e já tinha bolsões de água líquida.
A amostra de 120 gramas continha carbonato de sódio, molécula similar ao mais famoso bicarbonato que nunca tinha sido observada em outro meteorito ou asteroide e costuma aparecer no que sobra de lagos ricos em sódio evaporados na Terra. Outros dez minerais encontrados também apontaram para presença de água que evaporou do asteroide.
As nossas proteínas são construídas a partir de 20 aminoácidos diferentes que ou produzimos no organismo, ou obtemos da alimentação. O DNA e o RNA são montados a partir de cinco bases nitrogenadas. Todas essas bases foram encontradas no asteroide, e 14 dos nossos 20 aminoácidos. Os cientistas sugeriram que os aminoácidos e outros compostos orgânicos solúveis em água foram formados e alterados por reações químicas em baixa temperatura.
A descoberta aumenta a probabilidade da chamada hipótese da “panspermia”, que a vida poderia ter se formado fora da Terra e semeada por aqui. Mas em asteroide, em vez de outro planeta. Ou pode ter se formado aqui, mas a conhecida chuva de asteroides da Terra primitiva, em vez de atrasar a origem da vida, pode ter acelerado!
Não é a única notícia recente relevante para a investigação da origem da vida. Em outubro passado, um estudo publicado na Nature Chemistry mostrou que o aminoácido cisteína pode reagir com moléculas curtas de gordura e criar espontaneamente “protocélulas” com membranas em bicamada lipídica idênticas às que envolvem todas as nossas células.
Não acho que a crença em Deus de alguém tem que ser afetada por essas descobertas. Só se for uma crença ingênua em um Deus que em vez de ser inteligente e planejar as coisas com antecedência, é como aquele empresário que não deixa os funcionários trabalharem por conta própria, dando pitaco e metendo o dedo em tudo o que fazem. Os teólogos que debatam, só não quero que esse debate do qual não participo, por não ter fé, desencoraje os estudos das hipóteses da origem natural e espontânea da vida terrestre. (Leia também esta reportagem minha: A teoria da evolução de Darwin não ameaça o cristianismo.)
Ajude a Nasa de casa
Quer ajudar a Nasa a encontrar o primeiro homem-polvo ou a pirar nosso cabeção mais ainda com buracos negros? A agência espacial americana está financiando 25 projetos novos de “ciência cidadã”, ou seja, aquela que você, jovem padawan, pode fazer de casa, sem ninguém cobrar que passe em provas ou obtenha diplomas antes. Alguns dos projetos envolvem prêmios em dinheiro e uma chance de ser coautor de estudos em revistas prestigiosas.
Algumas das coisas que você pode fazer: caracterizar aglomerados de formação de estrelas em galáxias próximas, ajudar a encontrar objetos esquisitos que são algo intermediário entre estrela e planeta, identificar asteroides em bancos de dados públicos para evitar que sigamos o caminho dos dinossauros, investigar as camadas de plasma da nossa magnetosfera, ajudar a construir um catálogo das estruturas do Sol, identificar cometas, entre outros.
Pentium sapiens: a velocidade vergonhosa do nosso pensamento
Pesquisadores do Caltech calcularam o limite de velocidade do pensamento humano: 10 bits por segundo. É uma velocidade de velhinho que acabou de tirar a carteira, comparada com a velocidade 100 milhões de vezes mais rápida com a qual absorvemos informações dos nossos sentidos.
O principal responsável pela descoberta autodepreciativa é Markus Meister, líder de laboratório que a publicou na revista Neuron. Ele e seus estudantes usaram dados de comportamentos humanos como leitura, escrita, jogar videogame e resolução de cubo mágico.
“É um número extremamente baixo”, confessa Meister. “A cada momento, estamos extraindo apenas 10 bits do trilhão que nossos sentidos estão absorvendo e usando esses 10 para perceber o mundo ao nosso redor e tomar decisões”.
A velocidade da internet aí da sua casa deve ser dada pelo seu provedor em Mbps — milhões de bits por segundo. Estou usando no momento 80 Mbps no meu WiFi. Isso significa que a minha internet é oito milhões de vezes mais rápida que o pensamento que estou usando para escrever este texto. Por favor, não contem para o meu chefe Claudio!