A Suprema Corte decidiu nesta sexta-feira (17) que o governo Biden pode ir adiante com seu plano de forçar o TikTok a ser vendido para pessoa física ou jurídica dos Estados Unidos. O aplicativo tem 170 milhões de usuários nos Estados Unidos.
O efeito da decisão é declarar constitucional a Lei de Proteção aos Americanos contra Aplicativos Controlados por Adversários Estrangeiros, já aprovada pelo Congresso, que entra em vigor no domingo e forçará a empresa chinesa ByteDance a vender o aplicativo de vídeos curtos e rede social TikTok.
Um termo que foi usado pela defesa da TikTok e apropriado por grande parte da imprensa foi “banimento”. O argumento da defesa, resumido pelo próprio tribunal constitucional, é que seria “comercialmente inviável para o TikTok” cessar laços com a empresa chinesa dentro do prazo de 270 dias estipulado pela lei, o que configuraria, na prática, um banimento no território dos Estados Unidos. O governo Biden não contestou esse argumento.
Para os administradores do aplicativo, a lei configura uma violação da liberdade de expressão por afetar a moderação e geração de conteúdo.
Os ministros da Suprema Corte reconhecem esse risco, mas argumentam que “lei com alvo no controle de um adversário estrangeiro sobre uma plataforma de comunicações é de muitas formas diferente de regulamentações sobre atividade não expressiva que submetemos ao escrutínio da Primeira Emenda”, ou seja, regulamentações que atingem assuntos em que a liberdade de expressão pode ser afetada.
O tribunal também diz que a lei é neutra quanto ao conteúdo e usa uma justificação também neutra: não é censura se nenhum conteúdo específico está sendo visado, só o controle da rede social por um país que o Congresso declarou um adversário dos Estados Unidos.
Há motivo para desconfiar de empresas chinesas?
A China é uma ditadura controlada por um Partido Comunista que oprime minorias como os uigures e religiões como Falun Gong. Enquanto desfrutou de um período de maior abertura desde que abandonou as práticas comunistas de Mao Tsé-tung na economia, o atual ditador Xi Jinping, que ascendeu ao poder em 2012, tem endurecido o regime.
No começo do mandato de Xi, as empresas privadas no país desfrutavam de alguma liberdade. Mas o regime foi fechando o cerco. Quatro leis chinesas implantaram maior interferência das autoridades sobre o setor privado. A Lei de Cibersegurança (2016) impôs exigências estritas sobre o armazenamento de dados, obrigando as empresas a armazenar certos tipos de dados em servidores dentro da China e permitindo acesso a esses dados para oficiais do regime sob um critério vago de necessidades de “segurança nacional”.
A Lei de Inteligência Nacional (2017) aprofundou a interferência da ditadura sobre o setor privado. Seu Artigo 7 exige que organizações e cidadãos chineses “apoiem, prestem assistência e cooperem com iniciativas de inteligência estatal”. O Artigo 14 dá às agências de inteligência chinesas a autoridade de exigir a cooperação de empresas e indivíduos. Ou seja, qualquer pessoa física ou jurídica chinesa está obrigada a se transformar em agente do Estado em um instante, a depender dos caprichos da ditadura.
As leis de Segurança de Dados e de Proteção de Informações Pessoais (ambas de 2021) fortaleceram ainda mais o controle do governo chinês sobre os dados, mais uma vez sob o pretexto da segurança nacional.
O efeito da legislação chinesa é que não existem mais empresas privadas na China, não com o mesmo significado usado no Ocidente.
Não só os Estados Unidos estão reagindo: na União Europeia, a Alemanha e a França impuseram restrições para evitar que a infraestrutura do 5G ficasse toda nas mãos da empresa chinesa Huawei. Em 2020, a União Europeia publicou um guia para Estados-membros evitarem contratar prestadores de serviços de tecnologia de alto risco, uma medida para conter empresas chinesas indiretamente.
A Índia baniu mais de 200 aplicativos chineses. A Austrália, em 2018, baniu a Huawei e a ZTE do fornecimento de tecnologia 5G — o Canadá fez o mesmo em 2022. O Reino Unido adotou uma medida similar, exigindo que a Huawei remova todo o seu equipamento da rede 5G até 2027. Outros países impuseram limitações, como a Nova Zelândia, Coreia do Sul e Japão. Taiwan, em constante ameaça de invasão de Xi Jinping, baniu todos os produtos tecnológicos da China de instalações do governo e da infraestrutura mais crítica, além de monitorar constantemente roubo de dados pelo regime continental.
Os argumentos nos dois lados do julgamento
A dona do TikTok, ByteDance, já foi pega em comportamento estranho envolvendo dados dos americanos. A empresa insiste que não está submetida ao jugo do seu país de origem ao operar nos Estados Unidos, mas, durante o julgamento, a advogada-geral dos EUA, Elizabeth Prelogar, buscou mostrar que isso é falso.
Prelogar acusou o TikTok de coletar silenciosamente dos usuários dados como padrões de digitação no teclado, informações de dispositivo e rede, até dados mais íntimos como contatos e agendas.
“Há muitos adolescentes usando o TikTok hoje que podem ignorar nossos avisos e não se importar, mas eles vão crescer e podem se tornar membros das nossas forças armadas. Podem se tornar membros de alto escalão do governo”, argumentou a advogada. “O governo chinês tem esse vasto tesouro de dados sobre eles. É óbvio que isso compromete nosso país inteiro”.
“Sabemos que a ByteDance já se apropriou de dados americanos relacionados a monitorar jornalistas dos Estados Unidos”, afirmou Prelogar. Ela se refere a um incidente de 2022, quando a empresa chinesa reconheceu que funcionários posteriormente demitidos por ela usaram o TikTok para espionar repórteres de veículos como Financial Times, BuzzFeed e outros.
Noel Francisco, advogado do TikTok, disse no julgamento que “esse medo de que americanos, mesmo quando informados, poderiam ser persuadidos por desinformação chinesa é uma declaração de guerra à própria Primeira Emenda”. Ele insistiu que a lei contra adversários estrangeiros “significa que o governo pode restringir a liberdade de expressão para nos proteger de mais expressão”.
Curiosamente, como revelou a Business Insider, a reação da ByteDance à disputa com o governo americano foi tentar aumentar a participação de chineses trabalhando no TikTok. Entre outubro de 2022 e setembro de 2023, a empresa pediu autorização de visto para mais de mil funcionários vindos da China trabalharem nos Estados Unidos. Dos vistos aprovados, 61% eram para chineses, um aumento de 50% em relação ao ano anterior. Desses, 14 indivíduos de nacionalidade chinesa foram contratados para trabalhar na Divisão de Segurança de Dados nos EUA dentro do TikTok.