Por Márcio Coimbra
Apesar de Donald Trump ainda não ter assumido formalmente a presidência dos EUA, seu governo claramente já começou. Desde a indicação dos novos secretários, passando pelos encontros com líderes de outras nações e finalmente enviando recados pelas redes sociais, vemos que seu protagonismo político já está presente no cotidiano dos americanos e se faltam as formalidades da posse, de maneira informal, já assumiu o comando do país.
O Presidente que chegará à Casa Branca é muito diferente daquele de 2017. Ele agora possui controle pleno do Partido Republicano, maioria na Câmara, Senado e também na Suprema Corte. Ajudou os candidatos de seu partido a saírem vencedores nas disputas pelos governos da maioria dos estados em 2024 e lidera um movimento que transcende as fronteiras da política, fornecendo voz e vez a uma legião de americanos que se sentiam esquecidos. Trump tornou-se símbolo de um contramovimento que encontra ressonância em diversas partes do mundo.
Uma das razões que levaram o empresário a vencer as duas disputas presidenciais, tanto de 2016, quanto em 2024, foi o fato de que ele jamais participou ativamente da política partidária. Jamais ocupou qualquer cargo público ou envolveu-se em disputas eleitorais. Disputou apenas a Presidência. Sua trajetória é marcada pela vida empresarial e postura midiática, algo que sempre foi um traço de seu comportamento no mundo dos negócios. Este é Donald Trump. Um operador agressivo que gosta de assumir riscos, empresário que usa sua exposição e figura pública como elemento central na arte da negociação.
Esta é uma leitura que falta aos analistas e jornalistas políticos de um modo geral, algo que acaba por limitar o entendimento de seus gestos ou o encaminhamento de suas estratégias. Trump jamais será moldado pelo Salão Oval, bastidores do Capitólio ou salões diplomáticos, pelo contrário, moldará a Casa Branca a sua imagem e semelhança, impondo seu tom e dinâmica ao cargo. Isto significa que temos no comando dos EUA um negociador agressivo do mercado imobiliário de Nova York, nascido no bairro do Queens, filho de um empresário do ramo da construção civil, originário do Bronx, longe dos quatrocentões que formaram tradicionalmente a elite da cidade e a política do país.
Exatamente por estas características, Trump soube dar voz a uma legião de americanos, criando algo muito além de uma vitória eleitoral, mas o molde de um movimento que pode mudar profundamente os alicerces da política americana, segundo ele, longe dos vícios do sistema. O trumpismo já delineou os contornos do novo Partido Republicano e busca levar sua mensagem muito além destas fronteiras.
Ao falar em retomar o Canal do Panamá, renomear o Golfo do México, tornar o Canadá o 51º estado americano ou comprar a Groenlândia, Trump está levando seu estilo de negociador empresarial agressivo do mercado imobiliário para a arena internacional, algo pedido pelo eleitor nas últimas eleições. Como resultado de sua pressão inicial pré-posse, o governo dinamarquês já propôs o aumento da presença militar dos EUA na Groenlândia a fim de cessar as falas do republicano sobre tomar a região.
A estratégia chegou ao Capitólio, ou seja, Trump está disposto a jogar duro e cria um ambiente favorável na mesa de negociações. O deputado Andy Ogles, do Tennessee, protocolou o “Make Greenland Great Again Act” com vistas a permitir que o presidente eleito negocie a aquisição da ilha junto à Dinamarca. Deputados republicanos também já apresentaram propostas para a retomada de controle do Canal do Panamá e a renomeação do golfo do México como golfo da América. Fato é: estes movimentos criam margem de manobra para negociação internacional. É o estilo Trump em marcha.
Certamente veremos situações similares nos outros pontos, com o Panamá enxergando sua relação com a China de forma diferente ou o Canadá disposto a negociar tarifas com os Estados Unidos. Ottawa, aliás, foi a primeira capital que assistiu a queda de seu líder pós-eleição de Trump. A renúncia de Justin Trudeau, um Primeiro-Ministro desgastado, evidencia que a onda trumpista transcende fronteiras. O favorito para vencer as eleições por lá é o conservador Pierre Poilievre. Do outro lado do Atlântico, em breve teremos eleições na Alemanha com provável vitória da direita e a liderança trabalhista no Reino Unido pode ser colocada em xeque no curto prazo. Os nacionalistas do Reform UK de Nigel Farage já deixaram inclusive os conservadores para trás nas últimas pesquisas.
No Oriente Médio, mesmo antes da posse, Trump já colheu mais uma vitória. O acordo que garante o cessar-fogo e o retorno dos reféns para Israel foi negociado diretamente por Steve Witkoff, seu enviado para o Oriente Médio. O novo Presidente americano não queria herdar o conflito na Faixa de Gaza e deixou claro para a liderança israelense que um acerto precisava ser alcançado, algo plenamente entendido por Netanyahu. Soma-se ao fato que o Hamas sabe que não estaria mais lidando com Biden, mas com Trump, que manda duros recados aos terroristas e inspira medo no grupo. Na soma geral, os reféns voltam para casa e Gaza viverá um cessar-fogo.
No Oriente Médio também já foi possível observar a influência de Trump no conflito libanês, que impulsionou, por meio de seus enviados, a formação de um governo anti-Hezbollah, com a presença do Presidente Joseph Aoun e especialmente a escolha de Nawaf Salam, Presidente da Corte Internacional de Justiça como Primeiro-Ministro.
E se alguém duvida que o conflito na Ucrânia seja solucionado por Trump, é melhor colocar as barbas de molho. O fato é que uma mudança de estilo na condução dos EUA, com uma postura mais ativa e corajosa reorganiza as estruturas de poder, uma vez que a comunidade internacional percebe que os americanos estão dispostos a usar seu poder sem rodeios no xadrez geopolítico mundial. O retorno de Trump deixa claro aquilo que já pontuei aqui, ou seja, mais do que um ciclo eleitoral, os EUA estão passando por um reequilíbrio político de longo prazo.
Na China, as mudanças também estão claras. A eleição de Trump levou o governo de Pequim a adotar um amplo pacote de estímulo econômico de US$ 1,4 trilhão. Apesar disso, o plano alcança apenas uma fração da dívida oculta chinesa, estimada pelo Fundo Monetário Internacional em mais de US$ 8 trilhões. Espera-se que as relações EUA-China enfrentem tensões sob o foco renovado de Trump em medidas comerciais e econômicas agressivas. Trump prometeu tarifas abrangentes, incluindo 60% sobre as exportações chinesas para os EUA. Tudo ocorre em um momento delicado para o país oriental, que já está lidando com uma grave crise imobiliária, gastos fracos do consumidor e uma crescente dependência de exportações. Fato é que a posse de Trump já está mexendo internamente com os planos chineses, que precisam recalcular a rota de suas estratégias.
Como vemos, melhor do que ser um bom jogador, talvez seja possuir a habilidade de mudar as regras do jogo, um traço característico no novo Presidente dos EUA.
Márcio Coimbra é CEO da Casa Política e Presidente-Executivo do Instituto Monitor da Democracia. Conselheiro da Associação Brasileira de Relações Institucionais e Governamentais (Abrig). Cientista Político, mestre em Ação Política pela Universidad Rey Juan Carlos (2007). Ex-Diretor da Apex-Brasil e do Senado Federal