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A "feudalização dos poderes"

Uma associação de empresas busca uma alteração regulatória que faz uma melhoria incremental para o funcionamento do seu mercado. Após várias reuniões na pasta ministerial que cuida do seu setor, chega a um texto que agrada tanto ao governo quanto à associação.

Quando o presidente da entidade pergunta ao secretário do ministério como o encaminhamento político seria feito, ele escuta, atônito, que aí já não era mais com ele: “o governo apoia e texto. Boa sorte com o Congresso”.

O “novo tempo” do funcionamento institucional brasileiro tem como aspecto central o enfraquecimento do papel central do governo como dínamo do processo decisório. O que mais tem se produzido no colunismo de análise de conjuntura são as razões para isso.

O que esse texto quer é olhar para as consequências, sem classificá-las como necessariamente ruins ou boas, mas apenas registrando-as como fatos da vida.

O empoderamento do Legislativo e do Judiciário diante do nosso tradicional Executivo imperial é o novo “status” do jogo de poder. Como consequência, parece estar em curso no país uma certa fragmentação do poder e uma “feudalização” das instituições.

O uso do termo feudalização quer sugerir que a ausência de um poder central, territórios passam a agir com muita autonomia e quem fica evidência são os barões locais.

É possível identificar claramente o início desse processo de feudalização da Esplanada na gestão do ex-deputado Eduardo Cunha na Câmara dos Deputados. Vários interesses já negociados no Executivo passaram a ter que ser renegociados quando chegavam ao Congresso, iniciando a crise entre os poderes Executivo e Legislativo que dura até hoje.

Nesse processo de fricção e competição que completará uma década em 2025, alcançam os postos de comendo da Câmara e do Senado quem melhor representa os interesses corporativos dos parlamentares e não mais quem tem o apoio do governo. Há quanto tempo a indicação do Planalto não tem peso relevante nas eleições das Casas? Lembrando que Cunha foi eleito presidente em 2015 derrotando o candidato do governo, Arlindo Chinaglia (PT).

Por isso o ano de 2015 é emblemático e pode ser representando nesta nossa historiografia como o marco da queda da Roma do Planalto: o candidato do Congresso derrotou o candidato do Executivo.

O curioso nessa feudalização é que o Judiciário também passou a requerer o status de player político. Movido por duas escolas intelectuais – americana e alemã – que conferem à corte um papel ativo de consolidação de direitos e proteção ativa da democracia, os ministros se auto atribuíram um papel sobre políticas públicas e passaram também a agir como corpo detentor dos seus próprios interesses.

É sempre bom lembrar que, neste ano, o Judiciário manteve suspensa a execução do orçamento formado pelas emendas parlamentares na maior parte do segundo semestre, algo inédito.

É possível estender a leitura da feudalização até para o interior dos poderes, como ministros competindo entre si na Esplanada, gerando a duplicidade de políticas públicas, competição por orçamento e multiplicação de instâncias decisórias.

Na Europa feudal, um problema da fragmentação política era o comerciante ter que pagar pedágio em cada território que passava. No nosso caso, uma decisão de política pública também tem que passar por mais etapas, com mais gente influenciando.

Assim, cada nova decisão, como a reforma tributária, por exemplo, se torna uma espécie de ônibus, adicionando um passageiro a cada ponto que para. No resultado de qualquer lei, é possível identificar muitos interesses diferentes representados.

Uma última consequência é que, ao considerar a equação do poder como um jogo de soma zero, no qual se um ganha é porque outro perde, pode-se dizer que o Executivo passou a ter que escolher bem as brigas na qual decide entrar.

Isso significa na prática que ele reduz o envio de propostas, passa se comportar mais como ator de veto, e começa a recorrer ao Judiciário para reverter suas derrotas.

É difícil dizer como as coisas vão se desenvolver daqui para a frente, mas eu apostaria em uma acomodação desse sistema que se estabeleceu nos últimos dez anos. Mesmo que um constante processo de negociação e renegociação de limites de ação de cada poder, essa situação não deixa de representar um certo equilíbrio de coisas e de atores.

Na Europa, o feudalismo durou 1000 anos. No Brasil, a convivência partida e autônoma dos poderem tem potencial para durar muito também.

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Leonardo

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